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José Carlos Adão

Lagartixa de pés frios

Num mundo paralelo ao nosso, viviam seres imaginários e seres sem imaginação. Nesse mundo, paralelo mas não distante, vivia uma lagartixa roxa com bolinhas amarelas. Era um animal muito requintado. Não havia naquele mundo nenhuma igual a ela.

Nesse mundo, os animais que eram imaginários tinham nomes. Os outros não tinham nada. Lagartixa não tinha nada. Tinha nascido sem poder escolher o que era. Se soubesse, teria preferido nascer um ser imaginário e poderia ser quem quisesse.

A caravela portuguesa

São dois dias na vida de uma alforreca. São dois dias na vida de um ser do mar que viaja ao sabor das águas. Porém, esta não era como as outras. Era diferente, tinha personalidade e, diga-se de passagem, que personalidade. Uns dias, a nossa alforreca, cuja sua graça era Medusa, estava bem e eufórica, outros dias estava em baixo e absolutamente furiosa. Só conseguia pensar numa coisa e isso não era nada de bom.

Medusa, poderei arriscar, sofria de alguma forma congénita de bipolaridade. Não haveria outra forma de pôr as coisas na frente do senhor leitor.

Loiro (O papagaio vaidoso)

Num tempo não muito distante, vivia numa cidade perto do céu um papagaio loiro de bico doirado. Naquele lugar, tão estranho na forma, as casas eram feitas de árvores e todos os animais viviam nelas. Uns, debaixo das raízes em covas profundas... aqueles de classes mais baixas. Outros vivendo em tocas nos troncos das árvores e a grande maioria nos ramos, nas folhas, nas flores... era uma cidade de habitat sustentável.

Saliva (O bicho da seda)

Saliva nasceu na boca do rio. Perto das mais férteis planícies da China, Saliva aproveitava os dias da sua idade adulta trabalhando como tantos outros da sua espécie.

Isaías, um furão da vida

Quem era Isaías? Que força da natureza era esta que impressionava todo e qualquer um que no seu caminho alguma vez se tenha cruzado. Isaías nasceu numa ilha do Atlântico. Os seus pais, furões selvagens, nunca tinham tido outra vida a não ser comer bagas, outros alimentos, excrementar e procriar. Entre os muitos frutos da sua procriação nasceria Isaías. Não sei porque lhe deram esse nome, mas quanto a mim, parece-me apropriado.

Isaías, como tantas personagens antes dele nestas nossas histórias, não se satisfazia com o papel que, aos nossos olhos humanos, lhe atribuira a natureza.

O polvo Zacarias

Zacarias não é nome de mafioso. Zacarias é nome de profeta, nome de actor. Mas este era mafioso. Pior do que isso, ele era o líder absoluto da máfia do plâncton. Todo o crime das profundezas do mar era gerido por ele.

Vivia no lugar mais escuro do oceano. Mudava de cor várias vezes e enchia de tinta os inimigos. A sua rede incluía outros polvos mais fracos e mais modestos em tamanho. Zacarias era dos maiores polvos que a história já tinha conhecido.

Lágrimas de crocodilo

Sentado na beira de um precipício, olhando ao longe a terra-prometida, Miro sonhava com uma vida diferente. A sua condução de crocodilo não lhe tinha dado muitas alegrias e viver no meio de tantos outros como ele, que ambicionavam uma vida diferente, limitava as suas capacidades. Nascido na zona do Nilo, q única área que conhecia era essa. Imagine-se sair da sua zona de conforto para viajar até um lugar distante, sem ter grandes artes ou habilidades.

Viver na pele de uma lesma

Numa terra distante de Beja, ainda além de Albernoa, havia uma pequena aldeia. Não sei exatamente o nome mas sei que era pequena. Nesse mesmo lugar nasceu uma lesma de seu nome Bina. Infeliz, nasceu num descampado sem cuidados médicos. Sobreviveu ao nascimento em circunstâncias difíceis. Família de lesmas, Bina, teve uma infância e adolescência ainda mais problemáticas. Na escola, era uma criança lenta...na universidade, levou dez anos a terminar o curso.

Dermatobia hominis

Lá vou eu buscar o nome latino para outra das minhas crónicas. Pois bem, assim foi de modo a não assustar o senhor leitor e até a deixar a sua curiosidade mais afinada.

És um abutre!

Esta é a história de Feliciano Fortunato da Silva Feliz. Não é uma história qualquer, mas uma fábula que procura apelar ao vosso sentido de compaixão mais profundo por uma criatura que apesar do nome, foi sempre o oposto. Nascido abutre, era tão feio como a própria ave. Tinha no seu bico e face todas as características negativas que faziam dele temível. Nasceu careca e sem penas. Dotado apenas de uma leve penugem, as penas lá foram crescendo. Em todos os lugares menos na cabeça. Sempre foi discriminado, por todos.

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