4 Julho 2020      15:40

Está aqui

És um abutre!

Esta é a história de Feliciano Fortunato da Silva Feliz. Não é uma história qualquer, mas uma fábula que procura apelar ao vosso sentido de compaixão mais profundo por uma criatura que apesar do nome, foi sempre o oposto. Nascido abutre, era tão feio como a própria ave. Tinha no seu bico e face todas as características negativas que faziam dele temível. Nasceu careca e sem penas. Dotado apenas de uma leve penugem, as penas lá foram crescendo. Em todos os lugares menos na cabeça. Sempre foi discriminado, por todos. O lugar onde vivia era feio, tão feio como o seu pai, a sua mãe e o resto da prole de abutres. Tudo era feio. Os restantes animais e as restantes aves não foram nunca simpáticas ou complacentes com a família de abutres. Feliciano Feliz percebeu desde logo o seu destino e percebeu o seu lugar na cadeia alimentar. Na escola, todos lhe diziam: - És um abutre. Discriminam-no porque tinham medo dele. O facto de ser um abutre fazia dele um alvo a abater, porque seria esse o meio de defesa dos restantes animais. Na escola os alunos eram cegonhas, pintassilgos, gafanhotos (os gafanhotos eram os piores alunos - andavam sempre a saltar). Entre as paredes da escola lá ao fundo, uma flamingo lindíssima. Foi da turma do Feliciano até ao 12º ano de escolaridade. Aí por volta dos seus treze anos, o abutre começou a sentir os primeiros sentimentos de adolescente. Apaixonou-se. Isto é uma história de amor. O abutre sentiu as setas do Cupido por aquela flamingo, de seu nome Marianita. Era rosa e tímida. Nunca sentiu nada por ele. Os colegas desde cedo perceberam que tinham ali um sério caso de amor unilateral do Feliciano Feliz. Não correspondido. Nunca Marianita olhou para eles com esses olhos. Só muito mais tarde a flamingo se apaixonaria por um cegonho. A vida dos animais era complicada! Bastante complicada. A vida de abutre era ainda pior. Ouvir todos os dias, em relação ao seu amor louco que era um abutre rondando a pobre da sua amada, ela não retribuía minimamente. A noção de ser um abutre aplicava-se às presas que comia em família, especialmente os animais que iam morrendo.

Aos dezoito, a primeira grande desilusão de amor. A flamingo e a família da sua pretendida deram uma surra no abutre. Nesse dia deixou de ser feliz. Continuava a sê-lo pelo nome, mas infeliz.

Tomou uma decisão nesse dia, mais careca do que nunca, estava magoado por dentro e por fora. Aquela agressão tinha sido absolutamente desnecessária. Terrível, triste e lamentável.

Feliciano Feliz era um homem diferente. Magoado e triste. Ser um abutre não devia ser sinónimo de ser discriminado, humilhado, maltratado só porque se apaixonou por uma flamingo cor de rosa. Ser abutre, muito embora fosse um animal que comia desenfreadamente, fosse muito feio e tivesse nascido sem cabelo, merecia uma oportunidade de ser feliz.

Feliciano, amargurado, decidiu tornar-se um gigolô, e começou a seduzir as aves todas para provar ao seu amor não correspondido o quando perdeu por não o amar.

O amor não é simpático para os abutres, nem para eles nem para muitos de nós. Feliciano acabou por casar com uma abutre prima que não amava. Tiveram abutres e a saga continuou e não mudaria nunca. Feliciano Feliz foi infeliz, os infelizes serão sempre infelizes, infelizmente.

Bem lhes disse que esta era uma história de abutres, triste, infeliz, sobre amores impossíveis.

Mas falemos de outra coisa, que este fim-de-semana, é tempo de independência e de carne grelhada. O Feliz havia de gostar!