1 Agosto 2020      13:20

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O polvo Zacarias

Zacarias não é nome de mafioso. Zacarias é nome de profeta, nome de actor. Mas este era mafioso. Pior do que isso, ele era o líder absoluto da máfia do plâncton. Todo o crime das profundezas do mar era gerido por ele.

Vivia no lugar mais escuro do oceano. Mudava de cor várias vezes e enchia de tinta os inimigos. A sua rede incluía outros polvos mais fracos e mais modestos em tamanho. Zacarias era dos maiores polvos que a história já tinha conhecido.

As baleias temiam-no. A sua fama de implacável deixava os tubarões a tremer. Durante anos e anos, Zacarias intimidava e eliminava fosse quem fosse que o tentasse confrontar ou roubar a posição.

Lembro-me uma vez que o choco Lazarino tentou fazer frente e arranjou uma chusma de chocos para lhe fazer frente e acabar com o domínio absoluto de Zacarias. Diga-se de passagem que a batalha foi sangrenta, mas aliado às lulas e às potas, este último manteve o seu poder. Os chocos foram feitos prisioneiros e obrigados a trabalhos forçados no fundo do mar. Os tentáculos de Zacarias chegavam a todo o lado e não havia no fundo do mar um lugar onde o seu nome não fosse conhecido ou que não fosse temido.

Lazarino foi destentaculizado e a sua cabeça de choco pendurada à entrada da rocha onde o polvo mandava em tudo.

Chegou até, imagine-se, a dominar um cardume de garoupas. À noite, dormia debaixo de uma manta e comia algas às refeições. Ocasionalmente, organizava investidas às ostras e sacava-lhes as pérolas que vendia aos contrabandistas. A ajudar a abertura das ostras estava sempre o peixe espada zarolho.

O terror e o medo viviam no fundo do oceano. Nenhum peixe ou molusco dormia descansado. As amêijoas enterravam-se na terra, o mais profundo possível. A ideia de ser electrocutado por uma moreia mantinha, em todos, o medo presente e constante.

Foram muitos anos de perseguição, vindo de um polvo que foi, com o tempo, hegemonizando o poder. Nunca cedeu às tentações do amor. Uma vez uma lula ainda o tentou seduzir mas não teve sorte nenhuma. Anos passaram e o mar era o reino do Zacarias. Todos tremiam ao ouvir o seu nome.

Porém, nada é eterno e muito menos no fundo do mar. Certo dia, de manhã cedinho, um grupo organizado de burriés, com o auxílio de máscaras descartáveis e luvas de plástico que foram cair ao fundo do mar, arranjaram uma armadilha e capturaram Zacarias, levando-o para a zona onde os pescadores amadores de pesca submarina andavam.

Não foi preciso mais para que o polvo fosse apanhado por um arpão e, esvaindo a tinta, cedeu aos ferimentos e morreu ali.

Nos dias seguintes houve festa no fundo do mar como nunca se tinha visto. As lulas passaram a dominar as máfias locais e memória do Zacarias ficaria apenas no palato daqueles que se deliciaram com a versão do mesmo à lagareiro. Ainda hoje falam nisso!