18 Julho 2020      10:18

Está aqui

Viver na pele de uma lesma

Numa terra distante de Beja, ainda além de Albernoa, havia uma pequena aldeia. Não sei exatamente o nome mas sei que era pequena. Nesse mesmo lugar nasceu uma lesma de seu nome Bina. Infeliz, nasceu num descampado sem cuidados médicos. Sobreviveu ao nascimento em circunstâncias difíceis. Família de lesmas, Bina, teve uma infância e adolescência ainda mais problemáticas. Na escola, era uma criança lenta...na universidade, levou dez anos a terminar o curso.

Uma mágoa, porém, acompanhou Bina toda a sua vida. O deslizar pelas folhas, no pasto, a vida avançava devagarinho, mas não era igual a viver como outro qualquer animal. Viver na pele de uma lesma era o sacrifício último. Tinha nascido para aquilo e sob aquilo viveria toda a sua existência.

Bina queria ter nascido como um caracol, debaixo de de uma casa. Um lugar de abrigo. Ter nascido como uma lesma não lhe dava esse lugar. Era ser sem casa, conotado por todos por ser lenta. Verdade que, na escola, levou algum tempo até conseguir terminar o secundário. Na universidade, ainda mais. Tinha 40 anos e continuava solteira. Vida de lesma não é fácil, especialmente quanto toda a gente te rotula. Mas Bina, embora um bocadinho mais vagarosa que o resto, tomou as rédeas da sua vida e pensou mais alto. Bina tornou-se cientista. Não era caracol. Vivia na pele de uma lesma. Era escorregadia

Não tinha casa. O Estado não lhe garantia alojamento social. Bina, apesar de ter levado algum tempo, conseguiu tirar um curso de engenharia. Pensava, devagar, mas pensava. E inventou um protótipo de uma casa elétrica, parecida à dos caracóis. Era linda. Em metal, linda. Pintou às cores, transformou no seu carro de corrida e deixou de ser só lesma. Levou algum tempo, certo, mas chegou ao ponto em que se transformou. Passou a ser uma lesma na pele de um caracol.

Bina salvou vidas e vidas de lesmas. Nunca mais foi a mesma coisa. Disfarçadas de caracóis viveram uma vida feliz. Bem, até ao dia que muitas foram apanhadas e cozinhadas no Alentejo... e ninguém teve remorsos. Pensavam que eram caracóis.

 

Isto sim, é a vida e a morte na pele de uma lesma.