1 Abril 2023      23:45

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A nova política para a habitação

A habitação ou a sua posse tem o dom de dividir ideologicamente o espectro partidário. Se a esquerda socialista defende o direito da pessoa por uma habitação, aliás é o que vem expresso na constituição, a direita defende que a propriedade privada é o reduto onde o cidadão se protege das interferências do estado.

O parque habitacional público em Portugal é dos mais baixos da Europa, temos o caso de muitas outras cidades Europeias como Viena onde o estado é o maior senhorio municipal. Isto faz com que o preço de construção e posterior arrendamento sejam controlados. Em Portugal, a percentagem de casa pública é muito reduzida e pior, está muito estigmatizada. Muita construção empurrou imigrantes para a periferia e criou verdadeiros guetos de segregação racial sem muitas das acessibilidades que permitem uma vida condigna, saneamento, eletricidade e outros serviços básicos. A falta de transportes públicos tem um efeito binário, ou segrega mais quem mora na periferia, ou força a procura de habitação no centro da cidade, encarecendo mais o custo do solo.

Se houvesse uma rede de transportes públicos de longo alcance com respetiva velocidade seria exequível a construção de habitação a longa distância e fomentaria novos polos urbanos dormitórios a distâncias mais consideráveis. Temos como exemplo a necessidade de uma linha férrea que para um país geograficamente pequeno como o nosso teria importância extrema para fixação de população em cidades médias do interior e libertaria espaço no litoral.

É insofismável dizer-se hoje que há um problema de habitação. Qualquer jovem que se queira tornar verdadeiramente independente ou tem sorte de possuir habitação própria ou não consegue de forma autónoma comprar ou arrendar casa. Graças ao boom turístico das principais cidades do país e consequente compra por parte de fundos imobiliários ou de especulação de muita casa para posterior arrendamento o custo do solo tornou-se incomportável. Por adição o benefício de curto prazo do arrendamento para turistas fez aumentar em muito o número de alojamento local. Em muitas freguesias do centro das cidades existe um maior número de alojamento local do que casas de habitação. Todo o processo de gentrificação dos interiores da cidade contribuíram para por um lado reabilitar e tornar seguro estes espaços envelhecidos, mas por outro criar novos locais de residência para jovens nómadas digitais ou de forma pervertida para centenas de migrantes terem a sua residência portuguesa e europeia acelerada. Estes trabalhadores de elevada qualificação geralmente imigrantes apresentam um elevado poder de compra graças ao salário auferido do país da empresa, o que faz com que todo o negócio envolvente não só da habitação seja impelido a aumentar o preço pois beneficia de uma procura com melhor poder de compra. Isto em parte explica um pouco o processo inflacionário, se houver mais dinheiro em circulação os preços irão subir para acompanhar este maior poder de compra. Mas o habitante endógeno com o seu salário estagnado será quem mais sofre.

No entanto esta reabilitação dos centros históricos da cidade empurrou muita população para a periferia que pouco munida de transporte viu a sua vida dificultada. Em Lisboa e Porto principalmente nestes centros a política de concessão para novos alojamento local está suspensa e muitos poderão ter que ser revertidos em arrendamento tradicional. Muitos afirmam que é um atentado ao pequeno empresário, mas a verdade é que a ganância num setor básico como a habitação não pode ditar o seu panorama. Muitos estudantes ou casais jovens que querem iniciar as suas vidas não têm casa porque muitas estão neste regime. O prazo de avaliação para os alojamento local atuais será de 7 anos, o que permite ou a diversificação dos negócios ou a passagem para o arrendamento tradicional e beneficiar dos incentivos fiscais. No entanto nem todo o país é homogéneo no aquecimento do custo do solo. Não faz sentido que a política de vistos gold ou benefícios para nómadas digitais estrangeiros se extingam também para o interior do país. Aqui deveria haver um incentivo extra para compra de casa, mas mais ainda atribuição de cidadania na criação de emprego.

No entanto se o Estado der um sinal correto de não venda do seu parque habitacional ao setor privado, requalificar muito do parque público que está degradado ou fomentar através do PRR e incentivar as câmaras à construção de habitação pública quer para as classes baixas como para a classe média o preço da habitação irá descer. O anúncio do arrendamento coercivo apenas serve para alimentar discussão, mas com pouca exequibilidade, pois para além da pouca capacidade administrativa ou de recursos do Estado para a avaliação deste cenário em Portugal os entraves à realização de algo em concreto são sempre grandes. Os protetores da propriedade privada mesmo quando muitas vezes esta está devoluta por partilhas que se arrastam indefinidamente irão sempre dissuadir o Estado a agir, enquanto muitas famílias desesperam por casa. Muito se crítica a medida proposta do Estado-senhorio, mas pior do que a justificação de que o Estado tradicionalmente é um mau pagador nos seus negócios com os privados, está o facto de o Estado pagar o valor de mercado que é exagerado aos senhorios para depois arrendar a baixo custo. O Estado apenas vai continuar a suportar este tipo de renda. Por outro lado com tantos serviços públicos depauperados de recursos humanos não terá a meu ver o Estado capacidade para assegurar todos estes serviços a que se propõe.

Ideologia à parte, é de salientar que o Estado deu finalmente um sinal reformista, com medidas que geram discussão pública, esperemos agora para ver o que realmente sai para o papel e que seja o ímpeto para a continuação para outros setores como a educação e a saúde.

 

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Alexandre Carvalho tem 24 anos e é natural do Porto. Licenciado em Comunicação Empresarial pelo ISCAP, ligado ao ramo do design de interiores e da vertente digital. Interessado pelo panorama da política nacional conta vir viver para o Alentejo, porque se enamorou por uma alentejana | alexandremiguel.c95@outlook.com 

 

Fotografia de Ingo Mehling em wikimedia. org