12 Fevereiro 2022      07:17

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A Sobreira mais velha daquele monte

Nesse Alentejo profundo, naquele que muito poucos conhecem e que assim gosta de permanecer, desconhecido, seja por sua vontade ou pela vontade dos que ao seu lado vivem vidas curtas e longas e desaparecem. Esse Alentejo, distante de tudo, onde a sensação de solidão é tão grande quanto o barulho do silêncio, é abrigo de paz aos poucos que lá vivem, na sua rotina, nos seus percursos, ano após ano, vida após vida, estação após estação.

As pessoas chegavam, passavam, nasciam outras pessoas, cresciam essas mesmas pessoas, delas nasciam outras, umas e outras morriam e assim era a vida naquele monte. Num parágrafo, o ciclo da vida e, adiantamos nós, da morte.

A vida e a morte no Alentejo vivem lado a lado. Tantas vezes somos estatística por causa da nossa taxa de mortalidade, outras tantas pela taxa de suicídio. Hoje em dia, muito poucas vezes pela taxa de natalidade.

Seremos, porventura, como a Sobreira que hoje vos quero dar a conhecer. Naquele monte, naquele Alentejo tão profundo, mais antigo, mais misterioso e mais secreto, vivia uma

Sobreira. Não um sobreiro, mas a sua matriarca que, pelos anos que ali passara, desde o tempo em que era um carrasco até ao dia de hoje, se tornara na Sobreira daquele monte que conhecera dias, anos e séculos. Não tinha nome, não precisava de o ter porque conhecera tudo e todos e vira tudo, através dos seus ramos e da sua cortiça, de tudo o que ali acontecera. Por si tinham passado liberais, absolutistas, monárquicos, republicanos, fascistas, comunistas, democratas, agricultores, tiradores de cortiça, machados e varapaus para fazer cair as suas sementes. Até os javalis lhe tentaram invadir as raízes e a terra adjacente para dali tirar algum proveito.

A Sobreira mais velha daquele monte já conhecera tudo e todos, passou gerações a fingir que os seus ramos e as suas folhas eram só isso mesmo. Passou anos e anos a deixar, pontualmente de nove em nove, que a despissem sem pejo, e isso dava-lhe mais vida.

A Sobreira mais velha daquele monte não se sentia velha, sentia-se intrinsecamente parte daquele monte e sabia, na leiga e nas libras liberais escondidas dentro de si que, um dia que lhe cortassem o tronco por já não servir mais, a história daquele monte morreria no seu tronco, nos seus ramos e as suas raízes não seriam capazes de as contar a ninguém. Sabia também que o seu Alentejo, nesse dia, morreria com ela, com a Sobreira mais velha do monte que já não existia.