Por Ricardo Jorge Claudino
Perco-me;
às vezes nas palavras,
frequentemente no interesse.
.
Todos os dias
insisto em me perder no tempo.
E perco-me nas ruas
das maiores cidades do mundo;
não com tanta frequência
como todas as vezes que me perco
nas travessas das mais pequenas
aldeias alentejanas; também elas
perdidas no tempo, embora
não por vontade própria.
.
Também me perco
nas lembranças que se
perdem de mim.
Lembro todos os meus avós
que perdidos permanecem no silêncio.
Entro nas suas histórias longínquas,
agora enaltecidas pelos vivos.
.
Esta sensação não cabe dentro de mim;
é boa porque aprendo a recordar
e é má porque é preciso
perder para ganhar.
.
Sou actor do filme que eu próprio crio,
contraceno com crianças
que um dia serão meus pais
e com jovens adultos sem pele enrugada
− a mesma que mais tarde me habituara
a beijar.
.
Quem me dera gritar fora do guião:
− Avô, avó!
Sou eu, um dos vossos netos do futuro!
Abracem-me!
.
Mas contenho-me.
Tenho medo de mudar a história
e nunca mais poder vir a nascer.
.
Os meus antepassados,
para se tornarem antepassados,
deixaram-se perder.
Ou então apenas passam os dias
a viajar no presente.
Acho que se cansaram de ser gente;
nos últimos anos que cá estiveram
impaciência era o que todos tinham em comum.
.
São inteligentes, ainda aqui estão,
como tantos outros avós
que viajam pelo mundo e
brilham na forma mais humana:
de se parecerem com Deus.
(um poema do livro “A Cor Do Tempo” de Ricardo Jorge Claudino)
Imagem de capa de catracalivre.com
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Ricardo Jorge Claudino nasceu em Faro em 1985. Actualmente reside em Lisboa. Mas é Alentejo que respira, por inigualável paz, e pelos seus antepassados que são do concelho de Reguengos de Monsaraz. Licenciado em Engenharia Informática e mestre em Informação e Sistemas Empresariais pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa. Exerce desde 2001 a profissão de programador informático.Também exerce desde que é gente o pensamento de poeta.