11 Março 2023      11:54

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Tarro e coxo, ícones da arte pastoril alentejana

É bem vasta a lista das manifestações de arte espontânea no Alentejo. Pelas mãos de gente simples e trabalhadora, com uma técnica e precisão admiráveis, nasceram verdadeiras riquezas culturais. Por entre os mais variados artesãos, é no pastor, figura central da vida rural alentejana, que encontramos uma manifestação de arte singular – a arte pastoril. Esta arte “tem uma expansão maior nos séculos XVIII e XIX. Começa a perder-se entre 1960-1979 e o motivo dessa perda resulta da transformação social, da organização do território e de aculturação - o acesso a uma cultura diferente à herdada e à própria integração social”.(1)

Com as memórias a perderem-se no tempo, há dois elementos que permanecerão indissociáveis na história do quotidiano alentejano: o pastor e a cortiça. A manufatura da cortiça, tendo em conta as mais diversas utilizações, chegou até aos nossos dias. Ao longo de milénios, os territórios corticeiros originaram um património cultural singular (2). O montado é, no Alentejo, um importante foco de tradições culturais e etnológicas.

Mal o sol nascia, já os homens iniciavam a labuta. Era de “sol a sol”, assim exprimiam. Eram dias longos e árduos para os pastores, com horas passadas em solidão. Mas foram nas horas de isolamento, acompanhando o ritmo tardio do gado, que encontraram a inspiração para criar uma diversidade de utensílios e peças. Basilares ao seu mister, são o tarro e o coxo exemplos desta aptidão. Na sua vida nómada, o tarro era de vital importância no dia-a-dia do pastor, “pois permitia guardar e transportar alimentos que se conservavam a uma temperatura próxima da atingida na sua confeção, decorridas algumas horas após terem saído do lume”. (3) Para a sua produção e com recurso a faca ou navalha, era cortada uma prancha de formato retangular. De seguida era dobrada e fechada em arco. Adquirindo forma cilíndrica. A junção das extremidades da prancha era efetuada com pregos de madeira. Por sua vez, o fundo do tarro, em forma de disco cilíndrico, era retirado de outra prancha, polido e encaixado com grande precisão e pressão. Ainda com outra prancha, era produzida a tampa que, de forma tronco-cónica, permitia uma maior facilidade de abertura e fecho. Por fim, era colocada uma asa e fixada nas extremidades por pregos de madeira.(4) Não menos importante, era a função do coxo. Fabricado a partir da cortiça, permitia ao pastor beber a água do cântaro de barro ou até mesmo das fontes, dos poços e nascentes. Dada a sua importância, não havia casa alentejana que não tivesse um.

A par do tarro, o coxo é ainda hoje um dos elementos artesanais mais genuínos da arte pastoril alentejana. Apesar da evolução e modernização atuais, não querendo perder a sua identidade, grande parte dos alentejanos continua a manter estes dois objetos em suas casas. Uma forma de manter bem viva as tradições e costumes dos seus antepassados.

 

1 - LEAL, João (2009): Da arte popular às culturas populares híbridas, Etnográfica, vol.13.

2 - BEIRANTE, Ângela: Fragmenta Historica – História, Paleografia e Diplomática – N.º 9 (2021), Centro de Estudos Históricos.

Acedido em: https://run.unl.pt/bitstream/10362/131488/1/04_Sep._FH9_p_51_84.pdf

3 - MATOS, Hernâni (2010): A manufatura do tarro pelo pastor. Do tempo da outra senhora.

4 - Idem