18 Julho 2020      09:35

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A oportunidade silenciosa

Muito se tem falado da oportunidade que a pandemia criou para a modernização do ensino na escola pública, ou para a flexibilização e autonomização do trabalho. A importância quer de uma, quer de outra, é inquestionável, bem como a é a de que se trata neste texto.

O êxodo urbano provocado pelo covid-19 é um fenómeno que está a ser reportado em vários países. Nos Estados Unidos um inquérito apurou que um terço da população americana estaria a pensar migrar para uma zona de menor densidade populacional. O medo do contágio é um fator preponderante neste movimento, mas há que notar que a correlação da densidade populacional com o nível de caos e perigosidade provocados pela pandemia, não é tão simples assim. Sobram exemplos de grandes metrópoles que, devido a uma gestão exímia e ao facto de estarem preparadas e dotadas de infraestruturas eficientes, ganharam, até ver, a luta com vírus (veja-se o caso de Singapura ou Taiwan). Portugal tem a particularidade de ter uma acentuada e preocupante assimetria territorial, por esse motivo, esta é a oportunidade que Ana Abrunhosa, ministra da coesão territorial, deve agarrar, tendo em vista a regionalização inteligente do território.

Depois de décadas a fugir do interior para as grandes áreas urbanas no litoral, muitos jovens portugueses vêem-se agora confrontados com as ilusões que as promessas da vida na cidade lhes ofereceram. Imbuídos do espírito capitalista, fugimos do interior para as grandes áreas metropolitanas- os sítios onde moravam os sonhos e aspirações, por justa causa. De facto, num ato esclavagista, as aspirações das metrópoles alimentaram-se tanto das aspirações dos jovens como as aspirações dos jovens se alimentaram das aspirações das metrópoles.

Quando o mundo nos obrigou a parar, a vida na cidade tornou-se sufocante. As universidades ficaram desertas (sempre me pareceu que o fim do mundo se faria anunciar com essa visão). Não há salas de espetáculos cheias e vibrantes, nem idiomas vários que se cruzam nas ruas com o cheiro do fado e o som das sardinhas na brasa. O apelo da vida na cidade fora substituído pelo medo e pelo isolamento do qual tantas vezes se foge quando se abandona a terra onde se nasceu. Quando a pandemia se tornou um perigo real, muitos estudantes e/ou trabalhadores, fizeram malas e rumaram ao interior- e é aqui que se encontra uma oportunidade para o nosso país, tão marcado por desigualdades sociais e geográficas. Estes jovens e adultos, carregam consigo uma bagagem experiencial que, tendo essa vontade, podem aplicar no interior do país.

Estes jovens e adultos são capital humano de que o interior do país, e em especial o meu querido Alentejo, tanto precisam.  

As oportunidades referidas no início do texto, foram-no porque ambas importam para o caso. A autonomização e flexibilização do trabalho permitirão a mais pessoas deslocarem-se no território geográfico sem que isso coloque obstáculos à sua vida profissional (eles existem, mas é no quadrante da relação família – trabalho, e não da relação trabalhador – empregador, mas esta não é conversa que caiba neste texto; prosseguimos adiante). O trabalho à distância normalizar-se-á e aqueles que tenham vontade de viver fora dos centros urbanos e simultaneamente tenham a facilidade de trabalhar a partir de casa, podem agora escolher onde querem viver sem ter a necessidade de contabilizar os quilómetros de distância até ao local de trabalho. Já a digitalização do ensino apresenta-se como um mais complexo desafio, uma vez que, se não for gerida adequadamente, a iniciativa da digitalização do ensino pode acabar por aumentar as exatas desigualdades que o ensino público tenta, por princípio, colmatar.

Não sendo atenuados os contrastes quanto aos recursos tecnológicos de que crianças e adolescentes provenientes de diferentes classes sociais disponham, de pouco servirá atenuar os contrastes dos acessos, ou seja, os contrastes referentes à localização geográfica. 

Criar as condições necessárias para que os deslocados do seu habitat urbano se fixem nas zonas para onde rumaram se assim o entenderem, pode ser o começo de um novo capítulo para a pasta da valorização do interior. O governo de António Costa não está desatento e aprovou recentemente novas medidas de incentivo à fixação de populações no interior, no âmbito do Programa de Valorização do Interior que substitui o Programa Nacional para a Coesão Territorial. Mas este desafio não é só da competência do governo, cabe também aos municípios ter uma visão estratégica. É fundamental que exista uma aposta na cultura, e a cultura não é apenas passado, é também presente e futuro. Vários são os exemplos de pessoas que, frustradas com o cenário, resolveram fazer das fraquezas forças e criar projetos de raiz, que hoje muito valorizam o Alentejo e provam que é possível percorrer esse caminho.

A título de exemplo: O Wine and Blues Fest em Reguengos de Monsaraz, criado pelo Artur Carrapato e o Espaço do Tempo em Montemor, criado por Rui Horta, que, atrevo-me a dizer, fez do Alentejo casa e da cultura no Alentejo, o seu cavalo de batalha. Poderá parecer infrutífero falar de cultura quando tantas salas de espetáculos estão ainda encerradas e um incontável número de espetáculos foi cancelado, mas o contrário é verdade: é mais urgente do que nunca falar de cultura. A pandemia não vai durar para sempre e é preciso preparar o futuro. Também a agricultura, que é, neste momento de realização da necessidade de nos tornarmos autossuficientes, um sector particularmente apelativo, continua a necessitar de apoios que tornem ainda mais robusta a vaga de jovens agricultores/produtores que vimos surgir nos últimos anos. A título de exemplo, uma iniciativa cujo nascimento acompanhei, a Expressão d’Ocasião, projeto inovador de produção de cogumelos em troncos no concelho de Reguengos de Monsaraz.

O espaço ganhou valor. Ele é agora um bem precioso, procurado por muitos. As cidades não vão deixar de ser centros de inovação e criação, mas a redefinição da vida nas cidades foi acelerada. É possível que saia desta pandemia um país com menos  assimetrias regionais, um interior menos envelhecido, cidades menos poluídas, e um turismo sustentável, que continue a dar a conhecer ao mundo mais do que Lisboa e Porto.

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Angela Rijo nasceu em Reguengos de Monsaraz e mudou-se para Lisboa aos 18 anos de idade. À data presente é estudante do mestrado em Psicologia Social e das Organizações, no Iscte, onde também colabora com o laboratório de comunicação Media Lab.