2 Abril 2022      14:12

Está aqui

O espaço entre as árvores

Viajo de comboio. Sentado no meu assento, percorro as diferentes terras, as diferentes casas escondidas atrás das árvores e além do arame que separa a linha do resto do mundo.

Vejo-me no espaço entre as árvores, através de um vidro meio empoeirado.

O facto de viajar de comboio, numa linha quase recta sem sobressaltos faz-me olhar, concentrado, para o espaço entre as árvores, para o que me foge da vista e não se deixa apanhar pela minha retina. Não me é possível focar num só elemento, nem guardar na memória tudo aquilo que passa por mim, ou melhor, aquilo por que passo.

As viagens solitárias são momentos que nos fazem pensar sobre as coisas que, no nosso pensamento, em outras alturas, não se anunciam. Nestas viagens o nosso pensamento busca muitas vezes o insólito, o desconhecido que em outros momentos não nos incomoda. Hoje penso no espaço entre as árvores, naquilo que vejo e conheço, naquilo que desconheço e observo. Um espaço que pode ser vazio ou preenchido. Tal como as viagens que fazemos dentro de nós, estas são as que melhor nos ajudam a conhecer aquilo que preenche o espaço dentro de nós. Nas viagens introspectivas conhecemos os nossos espaços entre as árvores, os vazios, os repletos, os saudáveis, os tóxicos.

Continuo a olhar pela janela empoeirada, correndo contra o tempo, como a linha de metal e blocos de betão que a meu lado foge de mim. Em momentos, as paragens descansam-me e, como em tantas outras ocasiões, o comboio volta a ganhar velocidade. Assim é nos nossos pensamentos e nas nossas viagens pessoais. Precisamos de momentos de paragem, para que o fôlego retome e, no arranque de novos projetos, a velocidade recomendada é aquela que a prudência avisa que se faça em gradação saudável.

Continuo as viagens paralelas e encerro os olhos. Sinto que a viagem física continua, pelo movimento e, estranhamente, continuo a visualizar os espaços entre as árvores e tudo aquilo que o meu pensamento busca e partilha comigo. Com os olhos fechados, através da janela empoeirada, situo-me perfeito nos espaços entre as árvores.