22 Outubro 2021      11:30

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Jogo: um risco social?

O debate sobre o impacto e consequências do jogo e apostas na sociedade não é novo, mas recebeu nova atenção recentemente. Diplomas apresentados pelo BE, PAN, PCP e da deputada Cristina Rodrigues procuram restringir e regular este sector – desde restringir a publicidade a jogos e apostas, entre as dez e a meia noite, a proibir por completo toda e qualquer publicidade a lotarias espontâneas. Estas, vulgarmente conhecidas por “raspadinhas”, representam a principal forma de aposta por parte dos portugueses, ficando atrás apenas do Euromilhões, segundo dados publicados pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

Vários estudos demonstram como as formas de jogo e apostas podem representar um risco para a saúde pública e são, em média, praticados principalmente pelos sectores mais vulneráveis da população.

Portugal lidera na Europa

O estudo produzido pelo SICAD revela que os principais apostadores são, em média, maioritariamente as pessoas com menor rendimento e com escolaridade mais baixa, mas não é o único estudo a chegar a conclusões semelhantes. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o jogo e as apostas como potenciais formas de comportamento viciante. Em junho deste ano, o terceiro Fórum da OMS sobre Álcool, Drogas e Comportamentos Viciantes (FADAB) promoveu a discussão de formas de prevenção e mitigação dos riscos e consequências de comportamentos viciantes, tal como os jogos de sorte.

De acordo com estudo produzido pelo Instituto de Apoio ao Jogador, mencionado no diploma apresentado pelo BE, Portugal é o país da Europa que mais gasta, por pessoa, em raspadinhas. Dados apresentados por Daniela Vilaverde e Pedro Morgado, investigadores da Escola de Medicina da Universidade do Minho e do ICVS, comparam o gasto médio em Portugal (160€) com, por exemplo, em Espanha (14€). Entretanto, durante a pandemia, o jogo aumentou, particularmente em plataformas online. Na procura entre os melhores casinos online em Portugal, alguns portugueses optam por variantes “mais em conta” na forma de casinos online com depósitos baixos.

Outro período análogo em termos de incerteza e instabilidade económica para as famílias portuguesas, foi a crise financeira que submeteu Portugal às exigências da Troika. Durante estes anos, também o jogo e a apostas aumentaram. A correlação que parece existir entre períodos de maiores dificuldades financeiras e o aumento dos jogos de sorte e azar, acaba por coincidir com os dois principais motivos da maior parte dos apostadores: uma forma de distração ou uma tentativa de enriquecimento rápido. Entre os anos de 2012 e 2017, o SICAD revela que não só o jogo aumentou em geral, como formas mais críticas como o jogo abusivo e o jogo patológico quadruplicaram e duplicaram, respetivamente.

Regular ou não regular?

Ao mesmo tempo que tentativas de aumentar as restrições relacionadas com o jogo e com as apostas, há quem argumente que restrições já existentes são suficientes. De momento, em Portugal, existem já restrições como limitação da proximidade entre escolas e publicidade ao jogo. O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Edmundo Martinho, alerta para o facto de julgar excessivo associar a raspadinha a eventuais problemas sociais. As raspadinhas representam uma das principais, senão mesmo a principal, fontes de rendimento da SCML.

Por entre as preocupações dos riscos associados às apostas e outras formas de jogo e a discussão sobre como melhor prevenir contra esses mesmos riscos, o Ministério da Cultura criou “a raspadinha do património”, à venda desde 18 de maio, com o propósito de financiar o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural. Para além de críticas sobre a adequação de tal forma de financiamento para a valorização do património cultural, surgiram ainda críticas sobre a promoção por parte do próprio Estado à promoção da compra e venda de novas raspadinhas. Foi ainda salientado quem seriam os principais contribuidores de tais raspadinhas: as classes mais pobres e vulneráveis da população.

A questão do impacto social dos jogos da sorte, talvez negligenciada, como outras, devido à alocação de recursos para responder à recente pandemia, terá de ser esclarecida no futuro, talvez então com mais e melhores dados que possam conduzir a medidas eficazes.