3 Agosto 2019      13:10

Está aqui

O homem a quem todos os cães mordiam 

Tinha nome de gato, Felix. Ainda hoje não se sabe ao certo mas talvez fosse por isso que todos os cães o mordiam. Cada vez que passava perto de um cão não se escapava sem levar uma ferroada do canino, fosse qual fosse a raça. Dias havia em que até os pincher o atacavam. Outro dia, um pachorrento de um cão que dormia o sono dos justos agarrou-se-lhe à pele de forma tal que lhe deixou marcada a forma dos dentes e vai ficar cicatriz.
O pobre homem, além de passar as semanas em emergências de hospital, tinha de levar vacinas contra o tétano todos os anos e pior, contra a raiva todas as semanas. Era uma vida infeliz. Preferiria ele, mil vezes, ser arranhado pelos gatos uma vez por semana. Tal não se sucedia. O seu problema era mesmo com os cães e com a sua intolerância a este homem.
Mordido, acossado, envergonhado e sem saída, decidiu numa das muitas visitas ao hospital, consultar um veterinário.
Os médicos nada lhe faziam e nada lhe adiantavam. Talvez o veterinário tivesse algum tipo de solução que evitasse que a sua vida fosse um amontoado de cães a ladrar e a morder-lhe nas partes mais inusitadas dos seu corpo. Felix era um homem infeliz e para a infelicidade das pessoas chamadas Felix que são mordidas por cães, a solução era mesmo um veterinário.
O paciente dirigiu-se ao veterinário pela manhã e após uma longa entrevista, foi submetido a testes diversos, a fim de confirmar o diagnóstico. Felix fez análises ao sangue, à urina, às fezes e a tudo o que mais poderia ter feito e não tinha nada anormal, a não ser os anticorpos da raiva que se manifestavam raivosamente.
Era absolutamente necessário proceder ao resultado. Era imperioso saber o que se passava. Que motivo levava a todos os cães vilipendiarem Felix?
Nada conclusivo nas análises e testes deixou ainda mais triste é infeliz aquele que tinha por obrigação honrar o nome mas, caramba, sejamos honestos, entre mordidas, cicatrizes e o medo de caminhar na rua, isto não é vida para ninguém.
Lá foi para casa, enclausurar-se. Felix vivia com a mãe. Sempre assim fora e não tinha perspectivas de mudar pois passar as semanas em salas de emergência, a ser tratado, não há mulher que aguente. Apenas a sua querida mãe que sempre o amara e amaria. Viviam ele, a mãe e uma velha gata que o acompanhava desde que tinha nascido.
Seria por isso? Seria por viver na mesma casa que uma gata que influenciava os cães e os levava a morder-lhe? Pensou nisso mas o veterinário depressa desfez o conceito e disse que não.
Então o que era? Ninguém sabia. Bem, já que a história tem de acabar, um dia o veterinário telefonou-lhe e pediu-lhe que viesse ao consultório. Surgira um novo teste e aí poderia residir a resposta. O teste chamava-se TELMD, que significa, Teste da Enzima do Leite Materno Diferenciado. A ciência evoluira e a resposta poderia estar neste teste e, de facto, neste caso, estava.
Felix tinha recebido a ELMD em algum momento da sua vida. A notícia caiu de forma brutal. Pior do que ser atacado por um Cão, tinha bebido leite de gata quando era bebé. Correu de imediato para casa e confrontou a mãe! A pobre mulher foi obrigada a reconhecer que houve tempos difíceis e nesses tempos, um dia em que se acabara o leite, a gata estava à mão e tinha acabado de parir. O leite serviu e nunca pensou que isso levaria os cães a persegui-lo. Se soubesse, as coisas não teriam sido assim. Felix sabia na pele. Neste caso, na pele e no osso.
A única solução era a de beber leite de cadela uma semana, disse o veterinário, armado em cientista. Ao pobre homem nada mais restava e assim fez. 
A partir desse dia, nem mais um cão lhe ladrou ou mordeu. Os gatos, que antes o idolatravam, passaram a ignorá-lo, como aliás fazem a toda a gente...