14 Maio 2023      01:15

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Évora Capital Europeia da Cultura

Fiquei muito feliz com a nomeação de Évora para Capital Europeia da Cultura em 2027. Foi com orgulho e alguma surpresa que recebi a notícia, já que o Alentejo normalmente não costuma ser contemplado com a realização de grandes eventos. A concorrência foi feroz e normalmente, nestes casos, ficamos sempre num segundo plano, esquecidos, como uma distante alternativa.

Talvez esta tenha sido a excepção que confirma a regra, embora queira acreditar que não há nenhuma “mão invisível” que teime em prejudicar-nos. Mas também não sou ingénuo. A realidade é uma só. Somos poucos e temos pouca influência política. Isso tem consequências nefastas, apesar do nosso território ser único e vasto.

Na passada semana tive a grata oportunidade de assistir a uma conferência sobre este evento e o impacto que terá na cidade e na região, organizada pelos alunos da Licenciatura em Turismo da Universidade de Évora e que contou com um diversificado painel de oradores. Falou-se muito no conceito do vagar, que terá sido um elemento preponderante na avaliação que foi feita, em que se destacou a identidade alentejana como um claro factor diferenciador. Conforme foi salientado, a riqueza e a diversidade do Alentejo são merecedoras deste galardão.

A maioria pensa seguramente como eu. Trata-se de uma oportunidade única que deve ser agarrada com unhas e dentes e que pode representar um ponto de viragem também em termos de investimentos, dinâmicas e novos projetos culturais, turísticos e com um forte impacto económico. Uma janela para a promoção internacional da nossa querida região.

O que se espera até 2027 e posteriormente? Uma regeneração substancial da cidade, um incremento turístico considerável, um maior conhecimento dos eborenses em relação à sua própria realidade, uma discussão profunda sobre o futuro e o aparecimento de novos projetos que poderão ser estruturais para Évora. As expectativas são legitimamente elevadas.

Mas a dúvida que para mim subsiste tem a ver com o alcance deste feito. Évora será justamente o ponto fulcral deste evento, mas tem sido repetidamente afirmado que todo o Alentejo será beneficiado com uma nova dinâmica cultural, com forte impacto turístico e um elevado retorno económico.

As perguntas que coloco são as seguintes: como será efetivada essa descentralização? Haverá eventos ou iniciativas a decorrer noutras localidades? Alguns municípios serão contemplados com a realização de espectáculos, comemorações ou festividades? Como se fará a articulação entre Évora e as restantes entidades, organismos, municípios, actores sociais e associações para a implementação de uma vasta e abrangente programação cultural? O impacto turístico terá reflexos um pouco por todo o Alentejo? Estaremos preparados para este desafio e para as suas consequências? Estamos a tempo de preparar uma estratégia bem delineada. Quais os projetos regionais que estão no horizonte para lançar as sementes para o futuro?

Penso que as dúvidas são legítimas e deve  ser disponibilizada mais informação, de modo a que também a sociedade alentejana possa dar o seu contributo sobre esta matéria. Para além disso, deve haver um compromisso claro entre todos os intervenientes, para que todos fiquemos efetivamente a ganhar e não haja somente boas intenções. Uma salutar discussão sobre o tema parece-me inevitável.

Não há dúvida de que o próprio conceito do vagar que deu o mote à iniciativa é transversal à nossa identidade e no processo de candidatura, sempre se realçou o facto de ter sido toda a região a ganhar com esta conquista. Mas a construção colectiva implica um compromisso, que possa trazer benefícios para todos.

Confesso ter algum receio pelo facto da programação que vier a ser desenvolvida pela equipa de trabalho não inclua, de forma efetiva, todo o Alentejo e que tudo o que venha a acontecer decorra somente na Cidade-Museu. Espero estar enganado. Sabemos que a promoção decorrente da nomeação de Évora será uma realidade, com um grande impacto a nível turístico, que ultrapassará em muito as fronteiras transtaganas e isso também é muito positivo. Mas todos ficarão a ganhar? Será Évora a absorver de forma esmagadora tudo o que está previsto?

Terá que haver, na minha opinião, uma programação cultural que destaque a idiossincrasia da região, uma participação activa de vários intervenientes, um compromisso sério entre os parceiros envolvidos e, minha perspectiva, é importante que se desenvolva um trabalho em rede que permita a criação de dinâmicas que vão para além da própria Capital Europeia de Cultura e beneficiem toda a região.

Afinal de contas, foi isso que também esteve seguramente na escolha de Évora. E é a nossa imagem enquanto região que também estará sob os holofotes europeus.