Dois jovens, ela Valentina e ele Daniel, com fortes ligações ao Alentejo, artesãos de alma e coração, criaram há dois anos a VADA, em S. Pedro do Corval.
Uma visita ao perfil do facebook da VADA explica que: VADA aponta a combinação de detalhes refinados e inovação das formas com a antiga tradição do artesanato de acessórios de couro e pele. Na base de todos os acessórios está o uso de câmaras-de-ar e outros materiais recuperados exclusivamente para dar vida a formas únicas bem como as suas histórias. O intuito é combinar a necessidade de um consumo consciente que prolongue a vida útil dos materiais com a pesquisa estética de que, por vezes, se sente a falta na chamada moda ecológica.
Conversámos com a Valentina, que nos contou tudo.
Tribuna Alentejo: Como surgiu o gosto desta ideia de reaproveitar câmaras de ar?
Valentina: Sempre nos sentimos atraídos pela possibilidade de dar uma nova vida aos materiais e às peças antigas. Já andávamos a falar disto com alguma frequência quando, há dois anos, decidimos criar uma mala em câmara-de-ar para oferecer a uma amiga como prenda de anos. Já tínhamos visto trabalhos de várias pessoas que, antes de nós, pensaram em dar uma nova vida a este material extremamente poluente.
Assim nasceu a Vada. Desde então, cada vez nos damos mais conta do gosto que nos dá este processo de criação e realização do produto e do entusiasmo que nasce com a invenção das formas e com a descoberta de técnicas para melhorar os nossos produtos e inovar nesta área o máximo possível.
Tribuna Alentejo: E a arte em transformar as peças? Já tinham conhecimentos, já faziam outras coisas semelhantes?
Valentina: Tínhamos visto vários trabalhos realizados mudando a função originária de uma peça. Nos últimos anos houve um aumento do interesse na recuperação dos materiais e na sustentabilidade ambiental em geral, em todas as áreas criativas e artísticas, e não só. Velhas malas de viagem transformadas em sofás ou em artigos decorativos vintage, carteiras de papel plastificado, filtros de café para bijutaria, mobiliário antigo cujas peças ainda são usadas para dar vida a um novo, a pallets-mania, o interesse em tudo o que é alimentação biológica, arquitectura sustentável e muito mais. Sempre tivemos interesse neste tipo de discurso relativo ao prolongamento do ciclo de vida dos produtos. Cada um à sua maneira.
O Daniel sempre foi um grande colecionador de toda a «tralha» imaginável, que, incrivelmente consegue ter toda organizada e pronta para utilizar em qualquer ideia e possibilidade de reutilização. Isso alia-se aos seus óptimos dotes manuais e ao hábito de «desenrascar» soluções improvisadas sempre que é necessário. Eu, Valentina, fiz um percurso mais ligado ao design e à confecção de roupa e sempre tive interesse em assuntos relativos à recuperação dos materiais e à sustentabilidade ambiental em nome de um interesse, que sempre tive, por um tipo de consumo crítico.
Tribuna Alentejo: Como surge, ou como se define a vossa ligação ao Alentejo?
Valentina: O Alentejo é, em primeiro lugar, a terra onde o Daniel nasceu e foi criado. Ele aprendeu desde criança a trabalhar com a matéria. Ainda muito novo ajudava o pai na olaria da família, localizada em São Pedro do Corval, que é também a sede da Vada. Ao longo do tempo continuou sempre a trabalhar directamente «com as mãos na massa», como se costuma dizer, quer fosse através do barro, areia ou terra. Isto aconteceu porque ele tem um gosto natural pelo trabalho manual, mas sobretudo porque conseguiu pô-lo directamente em prática. Cresceu num ambiente em que a maioria das pessoas lida diariamente com agricultura, animais, artesanato, ofícios antigos como a olaria ou a carpintaria, e é fácil que neste contexto se possam desenvolver muitas habilidades práticas e boa disposição entre as pessoas, sempre muitos solidárias umas com as outras, numa ligação ainda privilegiada com a natureza e a autenticidade.
Tribuna Alentejo: Há alguma influência alentejana no vosso trabalho?
Valentina: Digamos que o Alentejo, com as suas tradições, costumes e os valores faz parte do ADN do Daniel e directamente das suas mãos e que isso passa para aquilo que produzimos com a Vada.
Já pensámos também em retirar inspiração de algum aspecto mais específico do artesanato alentejano, explorando também outras áreas de interesse para nós e encaixando-as no nosso projecto. É possível que no futuro possamos introduzir novos materiais, recuperando algumas técnicas da tradição antiga que hoje em dia estão em risco de se perder.
Também devo referir que, de um ponto de vista mais prático, o Alentejo é o local onde recolhemos as câmaras de ar e onde demos os nossos primeiros passos, graças à disponibilidade das pessoas das oficinas que nos fornecem os materiais até hoje e que acreditaram e continuam a acreditar no nosso projecto.
Tribuna Alentejo: Sabemos que já realizaram algumas exposições. Como tem sido a receptividade das pessoas? Há diferenças entre os portugueses e o público estrangeiro?
Valentina: Muitas pessoas, especialmente portuguesas, ficaram surpreendidas ao perceber de que material são realmente feitas as nossas malas.
De facto, é especialmente nos países desde sempre mais atentos aos problemas do ambiente, que a câmara-de-ar é já há muito tempo um material utilizado para confecção de acessórios da chamada moda ecológica. Aqui em Portugal vemos que ainda não é uma coisa muito comum, mas as pessoas ficam todas muito curiosas e, em geral, posso dizer que tivemos uma boa recepção. Mas a maioria dos nossos clientes continua a ser constituída por estrangeiros, alemães, ingleses e franceses sobretudo, mas também alguns brasileiros.
Tribuna Alentejo: Quantas pessoas fazem parte deste projeto?
Valentina: Somos duas pessoas. Eu, Valentina, e o Daniel, a marca Vada chama-se assim por causa dos nossos nomes.
Nunca gostámos de produzir desnecessariamente lixo nocivo para o ambiente e assim começámos a transformar tudo o que nos parecia poder tornar-se em algo diferente. Especialmente no meu trabalho, como criadora de roupa e costureira, tento, quando possível, seguir este objectivo e já recuperei muitas peças antigas: um corte diferente ou uma costura no ponto certo imprimem um toque mais actual e apelativo a peças velhas com trinta anos e sem graça nenhuma. Já nos trabalhos da faculdade a maioria dos meus projectos eram virados para estas temáticas, com as quais fui educada desde criança. Cresci com avós que foram criados durante a Segunda Guerra Mundial e que, portanto, não gostavam muito de desperdícios, porque já tinham ficado sem nada. Tentaram ensinar-me que tudo tem um valor.
Unindo as nossas ideias, o nosso entusiasmo e as nossas formações chegámos à Vada, o projecto que deu asas à nossa imaginação.
Tribuna Alentejo: Onde é que se podem encontrar as vossas peças?
Valentina: As nossas peças estão à venda na loja do Chapitô em Lisboa, que faz uma interessante escolha de produtos feitos com todo o tipo de material reciclado e criou uma vitrina de jovem talentos na arte da reciclagem. Também temos os nossos produtos na Artfab, sempre em Lisboa, perto do Cais do Sodré, que também vende produtos que têm a ver com a recuperação e reinterpretação de roupa e acessórios. Estamos também no Don Trapo, em Reguengos de Monsaraz, uma loja recente que apostou em nós, proporcionando-nos esta oportunidade. Em todos estes sítios temos sempre encontrado pessoas fantásticas que nos têm dado apoio moral e prático, e criamos com cada uma delas uma ligação humana, não só de negócio.
Pretendemos ser também uma marca ética e é importante estabelecer este tipo de relacionamento sincero com as pessoas que, para além de venderem as nossas malas, partilham o nosso conceito.
À medida que a nossa produção vai crescendo estamos também sempre à procura de novas lojas que estejam disponíveis para abraçar este conceito inovador e útil para o meio ambiente.
Tribuna Alentejo: Que mensagem querem deixar aos leitores do Tribuna?
Valentina: A mensagem que mais gostaríamos de deixar passar é que é possível criar produtos interessantes e actuais a partir de coisas que já não interessam a ninguém e que são muito prejudiciais para o ambiente. Cada um à sua maneira pode contribuir para uma tomada de consciência colectiva, orientando os seus consumos de uma forma mais atenta. Nesta época de crise económica e produtiva, mas também social e cultural, isto torna-se indispensável. Portanto, divulguem o nosso projecto, comprem as nossas malas e desenvolvam ideias que ajudem esta causa!