29 Julho 2023      15:19

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Calor em gelo

Era a vendedora ambulante mais procurada em toda a cidade. Movimentava-se nas ruas com o seu carrinho de três rodas. Acompanhada sempre pelo leal companheiro que era o seu rafeiro, passava os dias a trabalhar para ganhar alguns tostões.

A vendedora mais famosa e apreciada tinha um posto diferente em casa esquina da cidade. Não ficava no mesmo sítio durante dois dias seguidos. Em cada dia da semana, sem excepção, estava no sítio do costume, desse dia.

Não sei o seu nome, nunca lhe perguntei. Talvez fosse Amália, talvez fosse Cândida, talvez fosse Maria, talvez não tivesse nome. Às vezes passamos pelas pessoas e pensamos qual será o seu nome. Outras vezes, passamos pelas pessoas e vemos vultos e sombras e ninguém se preocupa em imaginar ou tentar saber o seu nome.

A mulher vendia muita coisa, sempre adaptada à estação do ano em que estava. Aquelas menos amenas, o Inverno e o Verão eram as mais difíceis. Devido aos extremos, não podia vender alguns produtos. Em dias de extremo calor, embora a tenha visto fazer isso uma vez, não costumava vender gelados pré-preparados fora da geleira.

No inverno não vendia morangos, nem gelados, nem manga verde com sal e picante, nem outra fruta fresca. No inverno vendia sumos de laranja. Dizia que era por causa da vitamina C.

Cansada de não fazer dinheiro suficiente para sustentar a família, decidiu ter uma ideia. As ideias, como sabemos, são criadas por pessoas, algumas idiotas, outras que realmente funcionam.

A ideia da vendedora, cujo nome não sei, foi fenomenal. No inverno ia vender calor em cubos de gelo. Na verdade, embora pareça absurda a ideia, funciona muito bem. O calor fica aprisionado na leve película de gelo e quando de põe na boca funciona como um aquecimento interno. No verão, o mesmo gelo é vendido, sem o calor mas com o frio dentro. A película de gelo é mais forte e preserva o frio dentro de si.

A ideia era genial! A maior chatice no inverno era ficar na rua com a neve, agasalhada com o pouco que tinha, mas o negócio começou a render. Não havia dia nenhum em que não vendesse calor em gelo. No final do mês, os lucros somavam. A concorrência tentava perceber o segredo mas sem sucesso.

No dia em que finalmente lhe perguntei o nome, consegui saber o segredo que partilho convosco. Se não funcionar, a responsabilidade não é minha…

A mulher disse-me que no inverno o gelo era feito com aguardente e água… a água ajudava a prender o álcool no interior, no verão era simples água. Uma aquecia. A outra refrescava. E assim de uma ideia que pode parecer idiota, surge uma oportunidade de negócio.