30 Julho 2023      10:06

Está aqui

Alcácer do Sal estuda escravatura de africanos no Vale do Sado entre os séculos XV e XVIII

A presença de escravos africanos no Vale do Sado entre os séculos XV e XVIII vai começar a ser estudada durante todo o mês de agosto por uma equipa internacional de arqueólogos dirigida por Rui Gomes Teixeira e Sara Simões.

Este projeto arqueológico no Vale do Sado que se vai prolongar durante todo o mês de agosto envolve diretamente, desde o início, a Djass - Associação de Afrodescendentes, a Associação Batoto Yetu Portugal, a Câmara Municipal de Alcácer do Sal e a Associação da Defesa do Património de Alcácer do Sal.

"Este é um projeto que pretende evidenciar a longa presença africana no Vale do Sado (Alcácer do Sal) e, de forma muito particular, as pessoas que foram escravizadas e levadas para a região a partir do século XV", disse à Lusa o arqueólogo da Universidade de Durham, Inglaterra, Reino Unido, e do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.

Integrada nesta investigação vai decorrer no Monte do Vale de Lachique, junto a São Romão do Sado, no dia 05 de Agosto pelas 12:00, uma cerimónia de homenagem às vítimas da escravatura, de reconhecimento dos ancestrais africanos e dos contributos que conferiram à cultura alentejana.

A cerimónia vai ser acompanhada pelo músico Ebrima Mbye, pelos percussionistas da Associação Batoto Yetu Portugal, e pelo Grupo Coral Feminino “Paz e Unidade” de Alcáçovas.

Os trabalhos arqueológicos vão consistir, numa primeira fase, na prospeção geofísica do terreno do Monte do Vale de Lachique onde os arqueólogos vão tentar encontrar algumas estruturas mais antigas que não estão visíveis.

Esses vestígios podem ajudar a encontrar "cultura material" dos séculos XV e XVI que já foram detetados à superfície e que podem estar associados à fase que corresponde ao tempo em que as pessoas escravizadas foram pela primeira vez levadas para aquela zona.

"Tudo o que possa trazer luz a uma História e passados comuns é importante tal como este projeto sobre os escravos africanos que foram levados para Alcácer do Sal e que foram ficando e que se misturaram com a população local. É importante estudar essa presença. Todos temos uma história comum que não vem da Guerra Colonial (1961-1975) vem de muito mais para trás", diz ainda Evalina Dias, responsável pela Djass - Associação de Afrodescendentes, referindo-se à investigação arqueológica.

Por outro lado, a Associação dos Afrodescendentes reitera críticas à Câmara Municipal de Lisboa pela falta de resposta sobre a localização do Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas.

"Continuamos à espera do contacto da Câmara Municipal de Lisboa. Este Executivo municipal apresenta falsos pretextos e pareceres que nunca foram pedidos e estão a tentar empurrar-nos para um parque de estacionamento [Doca da Marinha], sendo que o projeto não foi idealizado para aquela localização", disse Evalina Dias.

A localização vencedora na Ribeira das Naus foi rejeitada sendo que o anterior presidente da Câmara propôs o Largo José Saramago mas, segundo a Djass, o Executivo de Carlos Moedas, a 14 de abril, "disse que não podia ser".

"Tudo isto está relacionado com a História, quer o memorial em Lisboa quer a investigação arqueológica no Vale do Sado são importantes porque ajudam a combater o racismo", refere a responsável pela Associação de Afrodescendentes.

"Portugal foi o país que inaugurou o tráfico de escravos no Atlântico e aqui não se quer falar do assunto. A Holanda [Países Baixos] já pediu desculpas duas vezes sobre a escravatura. Tem de ser a sociedade civil a iniciar a discussão", lamenta Evalina Dias referindo-se diretamente à Câmara Municipal de Lisboa.

No passado dia 10 de julho, o vereador da Cultura da autarquia de Lisboa afirmou que o Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas “vai ser concretizado”, garantindo “total diálogo” com a Djass - Associação de Afrodescendentes para resolver questões técnicas sobre a localização.

“O que está em cima da mesa são questões técnicas, não são questões políticas, e isso é preciso deixar bem claro”, disse o vereador Diogo Moura (CDS-PP), referindo que a instalação do memorial no Campo das Cebolas levantou preocupações por parte da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), que tem de emitir parecer por ser uma zona classificada, e da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), que tem um parque de estacionamento subterrâneo.

O Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas, planeado para Lisboa, consiste na instalação "Plantação-Prosperidade e Pesadelo", do artista angolano Kiluanji Kia Henda. Trata-se da representação de uma plantação de cana-de-açúcar em alumínio preto, composta por mais de meio milhar de unidades, num convite à reflexão, enquanto percorrida a pé.

Nascido em 1979, Kiluanji Kia Henda está representado em coleções como as da Tate Modern, em Londres, do Centre George Pompidou, em Paris, e da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Expuseram as suas obras instituições como Barbican Art Center, na capital britânica, Migros Museum, em Zurique, National Museum of African Art do Smithsonian Institution, em Washington D.C., Museo Guggenheim, em Bilbau, e Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa.

Ao longo da carreira, o artista participou também em exposições internacionais como a Bergen Assembly, a Bienal de São Paulo, a Bienal de Veneza e a Trienal de Luanda.

Entre outras distinções recebeu o prémio Frieze Artist, da plataforma britânica de arte moderna e contemporânea, e o Prémio Nacional de Cultura e Artes de Angola.

 

Imagem de osetubalense.com