23 Maio 2018      15:57

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Saúde Mental no Alentejo – Diz não estigma!

"Recordo com amor, o dia em que me interessei naturalmente pela área da Saúde Mental e Psiquiatria. Seis meses após início de licenciatura e já o mês de Março seguia a meio caminho quando decidi ser voluntária na Casa de Saúde da Idanha – Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, situado em Belas.

Levantei-me do sofá, onde estaria confortavelmente sentada, fiz a mala e apanhei um autocarro rumo ao desconhecido. O que irei eu encontrar? Será que me vão agredir? Como será a minha reacção se tal acontecer? Foram estas e muitas outras questões que fiz a mim própria, à minha pessoa sem experiência de vida e de mundo, cheia de vontade de descobrir e aprender. Foram estas as minhas questões, e são estas (ainda) as questões de muitas pessoas, infelizmente.

Fui assaltada pelo caminho, num sítio não sei bem onde e chorei. Pensei voltar para trás, mas segui em frente. Cheguei de noite bem escura a um edifício gigantesco, simples e misterioso. Fui recebida e acolhida com amor.

Já era dia, e a aventura começava. Éramos quatro jovens raparigas, a tirar a sorte enrolada em papel rasgado pelas mãos, o serviço que nos calharia. Fiquei no piso 4. Dirigi-me ao mesmo, abriram-me as portas e entrei. Respirei fundo duas vezes e dei o primeiro passo. Mais uma vez, recordo-me que o meu subconsciente gritou : “não vás! Não vais conseguir! É difícil! Volta para trás”, mas a outra parte de mim, a outro ângulo mais positivo fez-me seguir em frente. Felizmente segui, mais uma vez.

Quinze minutos. Bastaram quinze minutos, um coração disponível e uma mente desprendida de complexos para perceber que a direcção era acertada. Bastaram quinze minutos para compreender que as pessoas não são doentes mentais, são pessoas. São pessoas, com diagnóstico de doença mental, como a doença da Diabetes (passo o exemplo, de forma igualitária). São pessoas, que merecem colo, amor, compreensão e disponibilidade, como todas. Que não tiveram opção de escolha, que também elas querem ser felizes e ir comprar o pão todas as manhãs. O meu intuito era dar e acabei por receber. Recebi tanto de todas aquelas maravilhosas mulheres, que em mim se invadiu uma felicidade sem fim, como se ainda ontem lá estivesse sentada, sentindo os abraços que recebi, o afecto e emoção pura de cada uma, tão simples e tão desvalorizado. Quinze minutos, e percebi que também eu tinha medos e complexos, gerados e criados nas brincadeiras das escolas, sem filtros! Como é possível uma criança ter preconceito? É só uma criança, não concordam? É só uma criança, que precisa ser educada para o futuro, sem estigmas por um adulto capaz de ensinar.

Atualmente temos conhecimento da manutenção da taxa elevada de suicídios no Alentejo, resultantes de vários factores, muitos deles abafados pelo preconceito e estigma social ainda existente.

E é exactamente o PREconceito o meu foco principal. Por saber que é uma barreira, que trava o diagnóstico e o tratamento. Por saber que ainda existe medo, e vergonha de uma doença que sobrecarrega famílias, sobretudo, porque a maioria dos preconceitos são absolutamente errados e arcaicos.

Preconceito é então, segundo o dicionário de Língua Portuguesa, que passo a citar: “opinião ou pensamento acerca de algo ou de alguém cujo teor é construído a partir de análises sem fundamentos, sendo preconcebidas sem conhecimento e/ou reflexão”. E é isto que é urgente minimizar, começando pelas escolas, pela cidadania, pela errada e quase involuntária (in)capacidade que temos em julgar os outros. A vida dos outros, que às vezes não querem mais do que ir apanhar flores ao campo. E se forem felizes assim? Si, e se?

De notar que, quanto mais informada está a comunidade, maior conhecimento terá. Por sua vez, conhecimento traz estrutura, organização e equilíbrio, que contribui sem dúvida absolutamente nenhuma, para uma positiva adaptação, reabilitação e reintegração da pessoa com doença mental.

Resultado: comunidade harmoniosa é significado de cooperação. E cooperação, meus caros, é evolução e progresso.

Venham daí combater o estigma!

Vamos todos aceitar a individualidade de cada um!

Vamos todos humanizar as doenças mentais.

E construir pontes…. com amor! Ah, sempre o amor!"

Imagem de capa de clinicasantoniolli.com.br