6 Janeiro 2021      16:11

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Mantas de Reguengos de Monsaraz, um símbolo vivo do Alentejo

Pastores são figuras ímpares da cultura alentejana, gente simples e trabalhadora que de pasto em pasto aprenderam a lidar com as fortes amplitudes térmicas registadas na Região. Conhecedores dos campos como ninguém, debaixo de invernos frios e rigorosos, transportavam os rebanhos pelas planícies alentejanas. Para além do habitual traje composto por safões, pelico ou capote, as mantas desempenharam um papel fundamental no agasalho perante as gélidas madrugadas de inverno. Apesar de originalmente terem motivos pouco decorativos e simples, esta arte de produção laneira perpétua os padrões de origem árabe, assim como as cores vivas do Alentejo. Na sua apresentação e genuinidade, estas mantas subdividem-se em duas variações: a manta de trabalho (simples ou de riscas) e a manta grave ou de enfeite (mais decorativas). Pela enorme mescla de cores, padrões e respetiva combinação de ambos, a  manta de Reguengos é hoje cobiçada sobretudo para uso decorativo, com funções distintas das que tinha primitivamente. Sem fugir da sua base tradicional e do uso exclusivo da lã sem recurso a fibras sintéticas, encontramos como exemplo de utilização as colchas, tapetes, almofadas e até mesmo puffs.

A Fábrica Alentejana de Lanifícios[1] provém de uma mais antiga criada em finais do século XIX. Pelas mãos de inúmeras gerações de reguenguenses, esta arte, pela sua qualidade, ganhou uma inequívoca reputação internacional quando, em 1932 e 1958, venceu medalhas de ouro na Exposição Industrial de Lisboa e na Exposição Internacional de Bruxelas respetivamente. Assim como nova medalha de ouro para melhor design e qualidade na Feira Internacional de Têxteis de Helsínquia no ano de 1982.

As Mantas de Reguengos de Monsaraz ganham nova projeção quando o prestigiado jornal New York Times as considerou como um dos últimos três ofícios manuais seculares existentes na Europa.

Recordar a sua prosperidade e evolução é honrar pessoas como António Rosado Durão, José Rosa, Manuel da Rosa Paixão e Mizette Nielsen.[2]  Quando esta incrível arte estava prestes a desaparecer, foi precisamente Mizette Nielsen, uma holandesa e apaixonada pelo tear de lançadeira que, ao adquirir em 1977[3] a Fabrica Alentejana de Lanifícios, promoveu não só a sua revitalização, como a reconquista da reputação mundial. Ao radicar-se neste território, Mizette, a guardiã desta tradição, conseguiu manter viva uma herança secular devolvendo a Reguengos de Monsaraz e ao Alentejo uma das suas mais importantes tradições.

Atualmente, e apesar de uma procura incessante por parte de alemães e franceses, o problema da sucessão estaria resolvido. Margarida Adónis, António Carreteiro e Luís Peixe, adquirem a Fábrica em Janeiro de 2020, tendo como objetivo primordial a sua dinamização e promoção, garantido a projeção nacional e internacional da marca. A manutenção das suas funcionárias foi um passo importante na salvaguarda desta tradição. No que à manufatura diz respeito, Camen Margalha, a funcionária de maior antiguidade da fábrica, revela-nos que “ainda se utilizam teares manuais com mais de um século e de baixo liço. Pelas lançadeiras é feito o transporte da lã na corredora do tear. Temos a preocupação de seguir sempre os motivos decorativos originas desde a fundação da Fábrica, adaptando os anteriores a novos padrões e combinações transformando as mantas em outros objetos: puffs, almofadas e até mesmo mantas de motard. Apesar da inovação, a base é sempre a mesma.”

Com nova vida e valorizadas como nunca, as Mantas de Reguengos de Monsaraz já foram motivo de reportagem em publicações como o jornal The Observer, Revista AD Architectural Digest, Marie Claire  Maison e Côté Sud, entre muitas outras.

Sensibilizado para esta causa e ciente da sua importância, o Município de Reguengos promove desde 1 de Dezembro de 2020, nas ruas da vila medieval de Monsaraz, a exposição de fotografia “Mantas Alentejanas: Arte e Tradição”, de Mizette Nielsen e Paula Oudman. Um bom tónico para os nossos leitores apreciarem esta arte.

Imagem de capa de Esporão.com