30 Setembro 2023      10:44

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A falta de professores

Um mal há tanto tempo anunciado, quanto desvalorizado.

Neste início de ano letivo têm sido bastantes as notícias que, repetidamente, nos têm dado conta do grande número de alunos sem aulas por esse país fora, devido à falta de professores. Sendo que esse número se situa na ordem das muitas dezenas de milhar, havendo quem garanta que ultrapassa um pouco a centena de milhar. Mas se nem o próprio ministro e o seu ministério conseguem apresentar números reais sobre o facto, fico-me por essa estimativa e, socorrendo-me das palavras de João Costa, ao referir que “se houver um aluno sem aulas no país já é um dado negativo”, não posso deixar de lamentar e de ficar profundamente triste com a situação que estamos a viver.

Todavia, este problema que agora se está a fazer sentir, não é novidade para quem vive por dentro o espaço e o fenómeno da educação. E desde há muito que quem reflete sobre o tema e quem verdadeiramente defende o ensino e a escola pública têm feito os devidos alertas para o caminho que se estava e se está a seguir.

O envelhecimento do corpo docente, associado a fatores como a constante desvalorização da classe, que nos últimos anos foi maltratada e vilipendiada já fazia antever o quadro de dificuldades que estamos a viver, o qual sucessivos governos e ministros que supostamente deveriam ver um pouco mais além, teimaram em desdenhar.

Ora se mesmo perante a atual situação não se admite que só reconhecendo e valorizando a profissão se podem atrair mais candidatos ao seu exercício, a minha pergunta é quando é que isso irá acontecer? Será que só quando tivermos alunos um ano inteiro sem aulas em algumas disciplinas, como já acontece noutros países, é que os nossos governantes vão acordar a sério para o drama e para a tragédia cultural a que este problema nos pode conduzir?

Convém esclarecer que quando me refiro à valorização e reconhecimento da carreira docente não o faço pensando exclusivamente na recuperação do tempo de serviço que nos foi subtraído, ou em questões relativas a melhoria dos vencimentos, as quais são obviamente de extrema importância.

Falo sobretudo na devolução da dignidade à função de professor, enquanto profissional de referência em termos sociais.

Falo na melhoria das condições de trabalho nas escolas.

Falo na necessidade de apoiar os professores no desenvolvimento da sua prática pedagógica, numa época em que a escola está muito mais marcada pelos tempos difíceis que vivemos cultural, social e economicamente.

Falo da necessidade de equipar e dotar as escolas de meios tecnológicos e digitais capazes de nos permitir acompanhar toda a evolução sentida a este nível (não basta os alunos terem computadores se temos redes arcaicas que não os suportam e se em muitas salas de aula deste país, para os professores ainda há apenas um quadro e giz).

Falo da necessidade de suprimir a constante falta de recursos humanos tanto ao nível dos docentes de apoio como dos, tão importantes, assistentes operacionais.

Falo da necessidade de reduzir a idade da reforma. É muito difícil ser-se professor aos sessenta e seis anos e só não vê isso quem nunca teve numa sala de aula com alunos.

E poderia falar de muito mais coisas, que só quem acompanha a vivência quotidiana de uma escola sabe identificar com detalhe.

Se não repensarmos tudo isto, o mais provável e o que infelizmente me parece que vai acontecer é que o problema da falta de professores se vai adensar de ano para ano.

Até porque importa clarificar que não é por um ministro o afirmar, que um professor se forma em dois anos. Um professor, caro ministro, forma-se a vida inteira e mesmo a formação inicial não é de dois anos.

E ainda que fosse, convém perguntar quem mesmo assim quer ser professor?