12 Outubro 2020      10:07

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Arte chocalheira, uma pérola da cultura alentejana

Dado o exíguo número de mestres chocalheiros existentes e com o intuito de evitar o desaparecimento deste ofício, a Entidade Regional de Turismo do Alentejo, em colaboração com a Câmara Municipal de Viana do Alentejo e a Junta de Freguesia de Alcáçovas, em boa hora, decidiram candidatar esta arte a Património Cultural Imaterial da Humanidade. Coordenado pelo antropólogo Paulo Lima e de contextualização nacional, este dossiê alicerçou-se num trabalho técnico e científico com base na arte chocalheira da freguesia de Alcáçovas, no concelho de Viana do Alentejo - considerada o centro do fabrico de chocalhos no país. Assim, esta arte singular que existe no Alentejo há mais de dois mil anos, no dia 1 de dezembro de 2015, na 10.ª sessão do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, realizada em Windhoek, na Namíbia, viu aprovada a integração do «Fabrico de Chocalhos» na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade com necessidade de salvaguarda urgente.

Como parte integrante da cultura e identidade da região, este ofício ainda se preserva nos concelhos de Estremoz, Reguengos de Monsaraz e Viana do Alentejo. Em Alcáçovas, desde 1439 documenta-se o fabrico de chocalhos, quando os seus mesteirais se arregimentaram na Casa dos Vinte e Quatro, em Évora (MONIZ, 2000). A sua produção continua a florescer no século XVIII[1], sendo que algumas famílias ainda guardam o segredo do seu fabrico passando-o de geração em geração, permitindo que a sua produção seja processada segundo os padrões mais ancestrais. Neste sentido, João Penetra, aquele que foi o mais antigo mestre chocalheiro de Alcáçovas, recordava que, aos sete anos quando se iniciou nesta profissão: ”havia em Alcáçovas quinze oficinas que faziam chocalhos”[2].

Com um som ímpar, o chocalho é um meio de percussão tradicional fundamental na paisagem sonora em território rural. Utilizado pelos pastores como forma de localizar e orientar os seus animais (gado vacum, caprinos e ovinos), este objecto está especificamente associado à pastorícia, como salientava João Penetra: “a vaca mais gulosa usava um chocalho com um som diferente para ser facilmente identificada. Todos os animais usavam chocalho, enquanto hoje num rebanho ou manada de 50 ou 60 animais, apenas quatro ou cinco o trazem, pois é suficiente para estes puxarem os restantes animais.”[3] Ao seu desuso podemos associar o facto das herdades nos dias de hoje estarem vedadas. Antes, porém, em terreno aberto, o chocalho era o grande elo que localizava o animal. Conforme o tipo de animal e a estação do ano, assim variava o tamanho do chocalho. A “manga” – chocalho grande, era utilizado na Primavera (mês e meio). Por sua vez o chocalho médio, vulgarmente chamado de “meia manga” era utilizado por mais mês e meio. Por fim, e já no Verão, era utilizada a “pequedeira de dois tostões de cruzados ou de oito vinténs” (sensivelmente com 12 a 15 centímetros) ao qual os animais traziam durante sete a nove meses. Ainda neste âmbito e aquando da mudança de pastagens, os maiorais, com grande brio, usavam o chocalho que mais gostavam para impressionar os habitantes dos montes por onde passavam. Com tamanha “barulheira”, lá vinham miúdos e graúdos espreitar, com o intuito de perceber de quem era os animais. A este costume e forma de uso chamavam “Chocalhos de Viagem”. Para os bois e cabras também é usual a utilização de esquiões e esquilas, que são uma espécie de campainha. A título de curiosidade e para melhor compreensão, “cada chocalho tem um “brasão” que funciona como a assinatura do seu artesão. Alguns chocalhos, além da marca do artesão, também apresentam a marca da casa agrícola”. “É pendurado ao pescoço do animal por uma coleira de couro e pode prender-se com uma cágueda; a fivela é de latão e a cágueda é de madeira. A cágueda é habitualmente feita pelos pastores com bela decoração.”[4]

Bem diferente da sua função original, atualmente são vendidos a colecionadores e compradores para fins decorativos.

Sendo a obra de uma vida, o Museu do Chocalho em Alcáçovas,  propriedade do falecido João Penetra (Mestre Chibeles), ao qual dedicamos este artigo, preserva uma vasta coleção com milhares de exemplares e pode ser visitado por marcação prévia. De produção artesanal e técnica complexa, estes objectos continuam a produzir-se da mesma forma, sendo que o número de oficinas existentes tem vindo a reduzir-se gradualmente. Atualmente, nesta vila, das dezasseis que existiram há 40 anos, apenas sobrevivem três. Chocalhos Pardalinho; Joaquim Sim Sim; Gregório Sim Sim e Rodrigo Sim Sim, são os guardiões desta notável e singular arte alentejana[5].