10 Setembro 2022      15:36

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O meu professor de literatura

Já tinha ouvido falar do Clube dos Poetas Mortos, visto o filme, e até ficado impressionado com o seu conteúdo, com aquilo que aquele professor despertara na turma de alunos, uns demasiado concentrados em cumprir as regras, outros absolutamente desinteressados e outros até que estavam só como figurantes.

Todos sabemos que a realidade não é assim e que aquilo que vemos no cinema ou lemos nos livros, tantas vezes não correspondem a uma realidade que não é a nossa.

No décimo ano, quando chegamos a esse primeiro passo do ensino secundário, sentimos sempre que há algo que muda na nossa vida. Sempre nos surpreende algo novo no décimo ano. É um passo novo, algo diferente. Algumas disciplinas podem ter nome diferente, outras igual, mas todas têm algo sublime a ensinar.

Assim aconteceu com o meu professor de literatura.

Era uma sala cheia de cadeiras vazias, a porta estava entreaberta. Entramos num ano cheio de surpresas e esta seria mais uma delas. Era a aula de português. A nossa primeira aula do secundário. Uma sala vazia proporcionaria o encher das mentes que tínhamos preparadas para o efeito. Confesso que esperava uma aula onde o professor se apresentasse, que nos desse tarefas de gramática e pronto. Nada disso. Sentados, a aguardar, entrou uma figura jovem, magro, de olhar fixo. Penteado de forma irregular, o nosso novo professor de português, ou de literatura, como lhe gosto de chamar. Entrou em silêncio e assim permaneceu. Olhou-nos a todos, a cada um individualmente, com um olhar que nos trespassava a alma. Parecia conhecer-nos profundamente. Depois de nos interpretar, abriu a mala que trazia consigo. De dentro tirou um molho de folhas A4. Todas em branco. Hoje percebo que iguais às nossas mentes, exceto que as nossas mentes seriam tão absorventes como uma esponja.

De seguida, o professor, ainda sem dizer uma palavra, colocou uma folha absolutamente vazia em frente a cada um de nós. Olhámo-nos discretamente sem perceber o que se passava. Havia, nesta situação, alguma coisa que nos surpreendia mas que, simultaneamente, nos atraía. Todos tínhamos uma folha em frente a nós. Absolutamente impoluta. Depois da primeira tarefa concluída, ainda sem abrir a boca, o professor sentou-se na secretária. Abriu um livro de capa negra e sem uma palavra escrita nele. Esteve assim 15 minutos. Depois desse tempo levantou-se, chegou ao quadro verde, agarrou num giz e escreveu uma frase no quadro:

Que história nunca poderia escrever na minha vida?

Sentou-se de novo, olhou-nos, olhámos de volta. Disse as primeiras palavras:

Amanhã, na nossa primeira aula, espero as vossas folhas cheias de palavras, mas atentem, só poderão escrever sobre a história que nunca poderiam escrever na vossa vida.

Assim foi. Alguns de nós enchemos a página, frente e verso, outros não fomos capazes de a preencher e outros ainda deixámos em branco. Certo é que nesses três anos aprendemos a escrever a nossa história e perceber porque tantos outros escreveram uma e outra história. Isto ensinou-me o meu professor de literatura. Vida!