14 Junho 2021      14:21

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A merecida prisão perpétua para Mladic e o, sempre necessário, relembrar do genocídio de Srebrenica

General Ratko Mladic, chamado de "Carniceiro de Srebrenica"

Cinquenta anos após o fim do holocausto, seis anos após a queda do muro de Berlim e da cortina de ferro, em pleno ano de 1995, aconteceu, uma vez mais, em plena Europa, um genocídio brutal e perturbadoramente revelador da capacidade humana para a banalidade do mal e da animalidade, seja em que tempo histórico for.

Estávamos em Julho de 1995, a Apple lançava o Macintosh Performa 6200, a Sega lançava a Sega Saturn, estava no início a revolução das “.com” com o nascimento da Amazon e do Ebay, e a Microsoft lançava o Windows 95. O mundo ocidental fervilhava em desenvolvimento e inovação, as bolsas estavam em alta, as economias cresciam, viviam-se tempos de pleno emprego e os negócios viviam tempos dourados depois de décadas de guerra fria. O mundo livre celebrava em pleno os valores da liberdade, da tolerância e da paz.

Contudo, num recanto quase esquecido do continente europeu, desenrolava-se a guerra mais sanguinária na Europa desde 1945. A Jugoslávia não resistiu aos duros golpes do tempo, não resistiu ao fim do mundo bipolar e à queda do muro de Berlim, não resistiu ao atraso, não resistiu às pressões internacionais e não resistiu à sua própria diversidade étnica e religiosa.

Em Julho de 1995, as tropas de Ratko Mladic ocupam Srebrenica (cidade considerada zona de segurança sob protecção da ONU) e obrigam os seus cerca de 27.000 habitantes bósnios a abandonar a cidade. Com o abrigo da ONU cheio de refugiados, 23.000 bósnios ficaram à sua sorte.

As condições degradavam-se e foram organizadas negociações de fachada entre Mladic, os capacetes azuis da ONU e representantes dos refugiados, negociações onde apenas Mladic tinha poder negocial pela via da força. Mladic promete transferir os refugiados para uma cidade limítrofe numa larga frota de autocarros.

O que aconteceu de seguida foi o que todos sabemos, os homens foram separados das mulheres, milhares de mulheres foram violadas, os homens eram transportados como gado para lugares isolados, teatros, cinemas, onde eram abatidos em pelotão de fuzilamento. Crianças foram mortas em frente aos pais, houve torturas arbitrárias de refugiados, mutilações de partes do corpo e todos os cadáveres a serem enterrados de imediato em valas comuns, algumas pessoas enterradas ainda vivas.

Tudo isto aconteceu com ordens de Ratko Mladic, o homem que foi recentemente condenado pelo tribunal de Haia a prisão perpétua por crimes contra a humanidade, o único tipo de crime onde, na minha óptica, a pena perpétua é uma pena perfeitamente aceitável. Acompanha-o também, Radovan Karadzic, capturado em 2008, que tomou a decisão de levar a cabo o genocídio bósnio em Srebrenica.

Ambos estes seres, desprovidos de um pingo de humanidade e movidos por ódios étnicos viscerais, são, quer queiramos quer não, homens do nosso tempo, pessoas nos seus setenta anos, não são pessoas trazidas de outros tempos históricos. Precisamente por isto, é importante perceber que o ser humano não deixa de ser um animal com queda para a crueldade se o formatarem para tal e se lhe concederem os instrumentos necessários. Tanto Mladic como Karadzic morrerão com a convicção de que fizeram aquilo que deveriam ter feito e que as respectivas condenações não passam de uma injustiça, pois, o sentimento de impunidade é enorme num ser humano formatado para a maldade e com poder nas mãos. Aqueles homens tinham uma missão, missão essa que não tinha como opção olhar a meios para atingir qualquer fim, onde o profundo ódio racial serviu de catalisador para que, novamente em solo europeu, uma força estatal tentasse limpar do mapa uma etnia diferente.

A guerra dos balcãs foi bem mais que este evento em particular, ouve massacres étnicos ou tentativas por parte de praticamente todas as facções, grande parte em pequena escala, era mútuo o ódio entre Sérvios, Croatas, Bósnios e restantes povos, no entanto foi o massacre de Srebrenica que abriu definitivamente os olhos à comunidade internacional para a gravidade dos acontecimentos. E quão graves foram.

Quando políticos dos nossos dias incitam ao ódio a determinadas minorias étnicas com o único objectivo de consolidar ou expandir posições de poder, heis mais um exemplo de como tudo isto acaba.

Exemplos de como começa, não faltam no nosso tempo.