8 Setembro 2019      16:47

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Woodstock – efectivamente!

Não é fácil homenagear o que não se viveu, sendo que a especificidade da experiência in loco é, segundo dizem, parte ineludível do processo.

Foi há 50 anos, e o mundo a partir daí passou a dividir-se em dois: os que aceitam com emoção o simbolismo do momento, mesmo se com a consciência de que se assistia ao fim de uma era, e os que, abjurando toda uma época, talvez a única dos ditos tempos modernos onde o valor primordial da inocência prevaleceu como regra (por outras palavras, a aceitação de que existe um desígnio benigno para o indivíduo, que só assim, em profunda comunhão com o outro, pode reencontrar a essência), se decidiram pelo impudor.

Não o vivi, é certo, mas sei que tudo, ou quase tudo, aquilo em que acredito e me fascina não seria possível sem aqueles anos gloriosos. Refiro-me ao existencialismo céptico pós-Easy Rider, de que Easy Rider é, de resto – truísmo que importa certificar –, o primeiro sintoma. E falamos de sintomatologia repentina e impetuosa. Apesar do contexto indulgente, bastava olhar para cima para avistar as nuvens negras, Easy Rider foi tão-somente o sublime consumar da tempestade perfeita. Sublime, pois foi executado por quem era parte intrínseca e, apesar de tudo, a cavalgar a onda inspiradora. Todas as épocas, mesmo as de profunda rebeldia, têm os seus rebeldes.

Em Woodstock, que ocorreu um mês depois da estreia de Easy Rider, tendo chovido imenso, ainda se simulava olhar para outro lado, onde o Sol apenas nascia ou se punha num céu sem nuvens, ou com as nuvens suficientes no horizonte para aprimorar o quadro.

 

Como princípio (se fosse necessário um): se os sessenta não tivessem arriscado tanto como arriscaram (não há sonho mais púdico – no sentido de virtuoso – que o flower power), os setenta não tinham sido o que foram. Pessimistas, sim, contudo (ainda) impregnados de lirismo. Não necessariamente um corte, antes um complemento necessário. Não há uma cissura geracional, há um desvanecimento, irmãos com educações semelhantes que se vão dispersando.

Caso vos tenha passado despercebido, desde o século XIV que sabemos que até uma descida aos infernos pode ser fascinante, desde que mantenha inviolada a sua poesia íntima. Aliás, reportando-nos a um certo caso dos idos de 1320, não só é encantadora, como é a melhor parte da história.

 

Imagem de boredpanda.com