7 Outubro 2023      19:55

Está aqui

Uma casa à beira mar

Fecha-se os olhos e vê-se aquilo que se imagina e aquilo que verdadeiramente se quer ver. Podem não ser imagens reais, mas são as que a nossa mente nos proporciona.

Cada pessoa vê coisas diferentes quando fecha os olhos e as viagens que faz têm diferentes motoristas e diferentes pontos de partida e de chegada.

No tempo em que não havia fotografias nem televisões, nos anos em que não havia aviões nem carros, aquilo que se podia imaginar é ver de olhos fechados era tão diferente do que hoje vive em cada um de nós.

Por esse Portugal fora, do Minho ao Algarve, os portugueses fechavam os olhos, sonhavam, viam coisas que só eles podiam ver, de olhos fechados.

Aqueles que viviam nos montes, imaginavam os mesmos montes. Nunca tinham visto outras paisagens que não fossem as que tinham visto de olhos abertos. Um português de Lisboa não sonhava com as planícies do Alentejo ou com a neve da Serra da Estrela. Ou sonharia?

Um alentejano que nunca tivesse visto o mar, saberia sonhar o mar? Vê-lo de olhos fechados?

Alguém que nunca tivesse visto um medronho, não sabia a sua forma, o seu cheiro ou o sabor disfarçado que, quando fermentado, lhe desse a aguardente. Essa, se calhar, já a teria provado e, no fechar dos olhos, pelo seu sabor, saberia ver o desenho do fruto.

O meu bisavô nunca tinha saído da serra do Caldeirão. Nunca tinha visto nada que fosse além do céu azul, do castanho da terra e do verde das estevas e das sobreiras. Na primavera via a cor das flores, das sementeiras a começar a nascer. Fechava os olhos e via a chuva sem cor, mas sentia o seu cheiro, quando batia na terra seca e no pó.

O meu bisavô falava com as pessoas de fora que por ali passavam. Não eram muitas, nem todas as semanas, mas quando passavam, cada uma trazia consigo um pedaço de mundo. Quem passava trazia muitas vidas e muitas histórias e contavam-nas, à mesa com um pedaço de pão duro e uma fatia de toucinho.

Vinham de carroça, do lado do norte e do lado do mar.

Alimentado das palavras deles, o meu bisavô viajava a outras terras, a cores que não existiam de olhos abertos. Bebendo os sons das suas histórias, imaginava outra vida para ele. Fechava os olhos e via a sua casa à beira mar. Nunca tinha ido ao Algarve, mas já tinha comprado o pedacinho de terreno onde a chaminé da casa já deitava o fumo e o barulho das ondas nas rochas aconchegavam o ouvido.

Quando os abria, a casa ainda estava lá e as ondas do céu faziam um ruído bem mais suave com o vento a sussurrar que a casa é o melhor lugar.