7 Agosto 2022      10:46

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Um problema do Liber Abaci

Fibonacci, o mais talentoso matemático ocidental da Idade Média e responsável pela introdução do sistema de numeração indo-árabe na Europa, é hoje principalmente reconhecido pela famosa sequência com o seu nome, de que já falámos em Coelhos, girassóis e o Código Da Vinci (AQUI). Apesar do prestígio alcançado pela sequência de Fibonnaci alguns séculos após a publicação da obra Liber Abaci, onde Fibonacci a apresentou pela primeira vez, não há evidências de que o autor lhe tenha conferido grande importância, ocorrendo naturalmente como resolução do “problema dos coelhos”. Independentemente do destaque alcançado posteriormente pelo “problema dos coelhos”, este e os restantes problemas que compõem os capítulos doze e treze do Liber Abaci, e que ocupam quase metade do livro, terão sido propostos com a única finalidade de ajudar os leitores do Liber Abaci a dominar as técnicas matemáticas descritas no texto, não tendo, então, a conotação recreativa que se lhes atribui actualmente.

No seu tempo, o Liber Abaci foi determinante enquanto veículo de difusão das inovadoras ideias e problemas da Matemática islâmica, pela Europa, tendo sido preponderante para o ensino da Matemática em diversas escolas e universidades europeias durante mais de dois séculos. Através desse texto, Fibonacci deu a conhecer o sistema de numeração e notação árabes e as suas vantagens, explicou a importância do zero, e mostrou como utilizar esse “novo” sistema numérico nas operações de adição, subtracção, multiplicação e divisão. Mas também descreveu processos menos elementares, envolvendo, por exemplo, logaritmos e a extração de raízes. Outro importante contributo visava as transações comerciais, abordando um complexo sistema de fracções para o cálculo de câmbio de moedas.

No contexto do ensino da Matemática na época medieval, os problemas presentes no Liber Abaci, que hoje classificamos como problemas de matemática recreativa, eram criteriosamente escolhidos para se adequarem à técnica matemática necessária para alcançar a solução, surgindo em variações de contextos que permitiam explorar a diversidade de aplicações dessas técnicas. Um indício da essência não recreativa desses problemas e do foco nos métodos e técnicas são as frequentes soluções não inteiras desses problemas, visto que soluções que não sejam números inteiros impossibilitam ou, pelo menos, dificultam fortemente a utilização de estratégias de resolução alternativas, como o método de tentativa e erro.

Uma das tipologias de problemas mais usadas no Liber Abaci são os problemas de “dar e receber”. Este tipo de problemas tem uma longa história, tendo sido estudados vários séculos antes de Fibonacci, por exemplo, pelo matemático grego Diofanto de Alexandria (séc. III) e pelo matemático hindu Mahavira (séc. IX).

É um desses problemas de “dar e receber”, que Fibonacci refere ter-lhe sido apresentado por um professor em Constantinopla, que vos proponho a seguir.

Este e os restantes problemas do Liber Abaci podem ser encontrados no site do Projecto Fibonacci

 https://www.progettofibonacci.it/liber/BONCOMPAGNI/trad/trad12B.html

 

 

Resolução:

Para representar as quantias inicialmente detidas por cada um dos homens usaremos x (quantia do primeiro homem) e y (quantia do segundo homem).

Se o primeiro homem receber 7 denários do segundo, fica com x + 7, e o segundo ficará com menos 7 denários do que tinha, portanto, y - 7.

De acordo com enunciado, após esta transferência a quantia detida pelo primeiro homem passará a ser cinco vezes a quantia que restou ao segundo. Simbolicamente, estas informações são traduzidas pela equação

x + 7 = 5 (y – 7).

Se o segundo homem receber 5 denários do primeiro homem, o segundo homem fica com a quantia de y + 5 e o primeiro homem com x – 5.

Tal como refere o enunciado, após esta transferência de 5 denários, a quantia detida pelo segundo homem será 7 vezes superior àquela com que ficou o primeiro homem. Simbolicamente, estas informações são traduzidas por uma segunda equação

y + 5 = 7 (x – 5).

A solução deste problema alcança-se resolvendo o sistema de equações lineares que envolve as duas equações anteriores.

A primeira equação,  x + 7 = 5 (y – 7) , é equivalente a x = 5 y – 42.

Substituindo o valor de x na segunda equação, y + 5 = 7 (x – 5) ,  obtém-se

y + 5 = 7 [(5y - 42) – 5].

Resolvendo esta equação em ordem a y virá

y + 5 = 7 (5y – 47)

y + 5 = 35y – 329

34y = 334

y = 334 / 34

y = 167 / 17

Portanto o segundo homem detinha inicialmente 167/17 denários (aproximadamente 9,82)

Substituindo, agora, o valor de y  na primeira equação,  x + 7 = 5 (y – 7), ou mais facilmente na sua simplificação, x = 5 y – 42, obtém-se:

x = 5 (167 / 17) – 42

x = (835 / 17) – 42

x = (835 / 17) – (714 / 17)

x = 121 / 17

Portanto o primeiro homem detinha inicialmente 121/17 denários (aproximadamente 7,12)

 

 

Imagem de museogalileo. it