19 Novembro 2023      19:53

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O pequeno texto da semana

Os grandes escritores escrevem grandes textos, coisas fenomenais que toda a gente aplaude e glorifica. Os grandes escritores têm ideias fantásticas, uma imaginação e uma capacidade de ligação com a realidade que nunca serei capaz de o fazer. Não só porque não sou um grande escritor mas também porque me faltam dois fatores essenciais para satisfazer esse requisito, imaginação e capacidade de realização. Isto dizia-a a si próprio constantemente o homem que vivia apenas e somente da escrita. Recebia encomendas de livros todos os meses e demorava aproximadamente duas semanas a escrever um romance. Contos e novelas levavam-lhe menos tempo a escrever, mas também pagavam menos. O procedimento era simples. O cliente fazia chegar a encomenda através de um telefonema, em que descrevia aquilo que pretendia que as pessoas lessem, acreditando ter sido escrito por si. O pagamento era feito por Venmo ou Zelle. Às vezes levava algum tempo a chegar, mas nunca falhava. Não poderia falhar, era disso que vivia e todos nós sabemos como são difíceis os dias de espera por um rendimento. E quando esse não é fixo ou é muito pouco para aquilo que se faz ainda pior. Às vezes, mais do que as desejadas, acontece.

Nem por isso o escritor desistia de fazer valer o seu talento nato de imaginar a vida de outras pessoas e passá-las ao papel, criando à sua volta um enredo que poderia dar um filme ou uma telenovela.

Não era preciso ser uma escrita profunda e desconcertante. Bastava que pela sua simplicidade e conteúdo inócuo cativasse o leitor e o levasse vezes repetidas à livraria buscar o volume dois e três e quatro.

A sua linguagem era a de todos nós, com os nossos problemas do dia a dia, com as nossas inseguranças, os nossos desejos, enfim, aquilo que nos constitui e completa.

Todos os dias escrevia de manhã até à noite, parando para fazer um chá de camomila e uma sandes de fiambre com pickles para o almoço.

Durante anos e anos, apesar da sua descrença com as qualidades de escritor, imaginava pessoas e situações, e elas surgiam. Falavam com ele na sua cabeça, discutiam as situações entre si na sua cabeça e a única coisa que o escritor fazia era ouvir e passar para o papel aquele mundo onde vivia. E assim, até ao fim dos seus dias, ou até à reforma, fazia pequenos grandes textos, ganhava o seu rendimento e dava ao mundo novos escritores.