16 Fevereiro 2021      18:39

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Ensino à Distância? E Aprendizagem à Distância importa?

Iniciámos na passada semana (não sabemos até quando) mais um período de Ensino a Distância, hoje bastante mais preparados e menos surpreendidos pelo choque e pelo corte abrupto causado em março do ano passado.

No entanto, pelas notícias que nos foram chegando, pelo que fomos tomando conhecimento, por todos os planeamentos delineados para este modelo, pelas cargas horárias que nos foram dadas a conhecer e que vão sendo anunciadas e pelas infinitas (des)orientações veiculadas de forma avulsa quanto à sua implementação nos diferentes ciclos de ensino, temo que pouco o nada tenhamos aprendido com a difícil experiência do ano letivo transato.

Na verdade, parece que toda a gente que toma medidas nos órgãos decisórios e responsáveis, começando desde logo pelo Ministério da Educação, como que anestesiada e embevecida por esse desígnio maior do já famigerado E@D se parece esquecer que, mais do que no Ensino a Distância, seria importante centrarmo-nos na Aprendizagem à Distância. Ou seja, focar todas as forças possíveis em pensar, não em como manter os alunos ocupados horas sem fim, mas sim como, neste complicado contexto, lhes poderíamos proporcionar novos cenários de aprendizagem e novas oportunidades de construção de conhecimento, libertadas das amarras curriculares e dos modelos enraizados.

Ao invés, o que vamos sabendo é que parecem ter sido de novo esquecidas as dificuldades inerentes às diferentes realidades familiares que, como sabemos, são muito diversificadas a todos os níveis e não somente no que se refere à disponibilidade ou não de equipamentos informáticos. Quantas famílias terão os pais em teletrabalho, muitas vezes com mais de um que um filho em idade escolar? Quantas, tendo equipamento informático, não terão que o partilhar por duas, três e até mais pessoas? Quantas outras não terão disponibilidade para acompanhar os seus filhos em virtude das suas atividades profissionais? E quantas outras ainda, por exemplo, estando a passar dificuldades sentirão não ter disponibilidade e saúde mental para acompanhar os seus educandos? E muitos outros exemplos deverá haver…

Como se isto não bastasse, a maioria das propostas de E@D que vão sendo difundidas apresentam absurdas cargas horárias de aulas síncronas que vão desde três horas diárias no primeiro ciclo às cinco e seis horas em outros ciclos, fazendo-se tábua rasa de tudo o que nos é recomendado pedagogicamente nos mais diversos estudos entretanto realizados.

Aparentemente o que mais importa e a primordial preocupação é ter os alunos “ligados” a um computador o maior número de horas possível, quem sabe se por desconhecimento, se por prepotência ou apenas porque espíritos impositivos se resguardam neste tipo de opções, seja por insegurança ou tão-somente para “mostrar serviço” à sociedade, esquecendo-se que raramente o muito é bom e que a quantidade quase nunca se traduz em qualidade.

Para além disso parece desconhecer-se completamente que o trabalho desenvolvido tanto por docentes como pelos alunos vai muito além do tempo utilizado em direto, não se esgotando de forma alguma nesses momentos.

Por exemplo a preparação das atividades destinadas aos momentos síncronos é bastante mais exigente e obriga a um dispêndio de tempo e de energia muito maior por parte dos docentes, designadamente na pesquisa de recursos, na avaliação e adequação pedagógica dos mesmos e inclusivamente na sua experimentação antes de os apresentar aos alunos. Tal como a planificação dos momentos assíncronos consome bastante mais tempo na medida em que as escolhas dessas tarefas deve ter em conta o nível de autonomia, assim como o interesse e as especificidades próprias dos alunos, tendo obviamente em consideração que os encarregados de educação, podendo e devendo desempenhar um importante papel de apoio, não têm que ser, nem devem ser professores.

Ora, salvo honrosas exceções, os planeamentos e os horários de E@D que têm sido divulgados na comunicação social, não apenas por docentes mas também por muitos pais e encarregados de educação, não espelham minimamente essas preocupações e, de um modo geral, mais não são do que uma réplica do modelo presencial adotado nas escolas.

Se refletirmos um pouco mais sobre o assunto, talvez percebamos melhor certas opções e encontremos pelo menos umas três razões, para não nos atrevermos com mais, que justificam estas delirantes opções:

 são decisões tomadas por quem há muito se afastou do trabalho direto e diário com os alunos;

 são medidas deliberadas por quem nem sequer se atreveu a experienciar um só momento que fosse do E@D;

 e finalmente porque estas opções emanam de quem, aos poucos, se foi esquecendo de ouvir democraticamente as opiniões de outros que, construtivamente e com sentido pedagógico, tentam contribuir para uma escola melhor, mais capaz de promover a construção de saberes a partir de e para os alunos.

É verdade que este contexto se reveste de uma enorme dificuldade para todos, mas acredito que tínhamos (e temos porque vamos continuar no E@D por mais algum tempo) condições de fazer as coisas de uma forma diferente para melhor. Designadamente se às escolas, aos docentes e aos alunos fosse conferida uma verdadeira autonomia que lhes permitisse “olhar” para os programas e promover uma efetiva e anti demagógica flexibilidade curricular contextualizada com o atual quadro pandémico, selecionando um conjunto de conteúdos significativos e essenciais e “varrendo” dos currículos o muito que, num momento como este, pode ser dispensável.

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António Rocha Pereira é professor do 1º ciclo e coordenador da Escola Básica do Bairro do Frei Aleixo em Évora. É licenciado no Curso de Estudos Superiores Especializados em Desenvolvimento Pessoal e Social da Universidade de Évora e Mestre em Ciências da Educação, Especialização em Supervisão Pedagógica também pela Universidade de Évora. É ainda professor cooperante e orientador dos estágios de Mestrado do Curso de Ensino Básico da Universidade de Évora, avaliador externo e autor de livros de apoio ao estudo e paraescolar.