29 Janeiro 2022      13:21

Está aqui

A andorinha

Dia 29 de janeiro de 1829, nas serranias do Caldeirão, anos antes da guerrilha do Remexido, num lugar que hoje seria muito diferente e que, na altura, ninguém imaginava o que a Serra seria na atualidade, havia montes de pedra, com paredes espessas e impotentes. As suas condições seriam, debaixo do nosso olhar, algo estranhas. Nas serranias que hoje estão desertas quase, naqueles montes de pedras em escombros, nestes anos viviam tantas e tantas outras pessoas que não adivinhavam o futuro, não pensavam nos que os sucederiam, tal como hoje nos preocupamos em conhecer os antepassados.

Neste dia, neste ano, ainda pleno inverno no sul de Portugal, o frio não tinha saído ainda das baixas. As geadas cobriam todos os vales e as sombras de um manto tão branco como as neves que cobrem os países frios. Considero que Portugal é um país de clima temperado. Mais quente no Sul do que no Norte e, atendendo à altura, o clima até estava fresco.

Numa dessas casas morava um casal, arranjado, que lá construíra a casa. Ajudados pelos pais e tios e primos e parentes e compadres de ambos, tinham escolhido a soalheira à umbria, não muito longe da casa de toda a família, mas dividida por um forno de onde saía o pão quente que alimentava todos.

Esse casal, poucos anos depois, tinha já mais filhos do que os próprios anos. A mulher trabalhava nos campos de forma tão aguerrida como o seu marido. A vida resumia-se a plantar os campos, cuidar do gado, passar os dias, ensinar os filhos a plantar os campos, a cuidar do gado e a passar os dias.

Havia, nesse monte, alegria e vontade de conhecer o dia seguinte, a curiosidade de saber se a geada se levantaria na sombra do orvalho. Havia, porém, crenças tão profundas quanto as montanhas e tão prolongadas quanto os invernos e os anos. Uma delas era a de que, quando um bebé estava a caminho, a andorinha chegava e faria o seu ninho antes de chegar a primavera. Assim era e seria até aos dias de hoje. Quando uma andorinha chega antes do final do inverno e faz o seu ninho numa casa, mais bebés chegarão antes do novo inverno. E nesse mesmo ano, naquele monte, nasceria mais uma criança. Talvez fosse meu antepassado, talvez vosso… aquilo que é certo é que as andorinhas chegam e partem, provavelmente com mais frequência que nós enquanto humanos, mas nos montes do Alentejo sempre haverá um telhado onde as andorinhas cheguem mais cedo, assim espero…