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ERA GUARDA-REDES

Isto aconteceu há alguns anos atrás. Liceu de Beja, por volta das 08:30 da manhã. O toque de entrada ecoava em todo o liceu, emanado das estridentes campainhas que marcavam a hora de entrar na sala. Agitada, a turma de 9º ano rodeava a porta, à espera que chegasse o professor. Iam ter matemática durante 90 minutos. Rui não se interessava muito por disciplina nenhuma. Era um aluno mediano em todas as disciplinas e nunca tinha excelentes notas nem nunca baixava dos cinquenta por cento. Tinha, porém, uma paixão que não deixava nunca de o acompanhar.

A IDADE DO BRONZE

Dois amigos conversavam no meio da rua como se fossem desconhecidos de longa data. O nome de um era igual ao nome do outro. Eram ambos José e não se conheciam por outro nome a não ser Zé. O Zé dizia ao Zé que tinha visto um programa na televisão sobre a Idade do Bronze e o Zé respondia, a perguntar, com ar espantado, se se referia à Idade do Bronze que era antes da Idade do Ferro e depois da Idade da Pedra. Zé respondia que sim. Tinha sido um documentário interessante, mas Zé não percebia muito do assunto.

PALAVRAS CRUZADAS

Nunca fui pessoa de completar um jogo completo de palavras cruzadas de uma assentada. Tentei algumas vezes, umas com sucesso, outras de forma infrutífera, chegar o mais longe possível na descoberta das letras e das palavras, a partir dos seus significados dados nas pistas. É tudo uma questão de semântica, dir-se-ia. E é com essa semântica que se procura chegar aos sentidos das palavras e ver que letra se encaixa naquele quadrado particular. É preciso que se adeque ao vertical e ao horizontal.

A CAIXA

A Carlota era filha única e tinha uma caixa guardada debaixo da cama. Carlota não contava a ninguém o que guardava na caixa. Era de madeira lacada e tinha um cadeado. Só Carlota tinha a chave e só Carlota conhecia os segredos da sua caixa. Não era uma caixa de Pandora nem guardaria todos os males do mundo. Era uma simples caixa onde se guardavam os segredos de infância, as recordações da adolescência e os sonhos do futuro que se esperavam melhores ainda do que o planeado.

DA MEMÓRIA DAS COISAS

Às vezes, não raro, dou por mim a pensar nas coisas. Penso no dia que começou, se for de manhã. Penso na noite, se for de tarde. Penso em quase tudo e não penso em nada ao mesmo tempo. Por vezes, nessas alturas em que estou a pensar nas coisas que foram, nas que não foram, nas que podiam ter sido e nas que foram, mas não aconteceram da maneira que gostaria, surge um lapso de memória. Visualizo uma planície que é interrompida e substituída por altos edifícios de uma cidade que parece agressiva, mas não o é, e fecho os olhos pensando em que dia da semana se podem comprar, na cidade, os vegetais que são cultivados na planície.

A ESTAÇÃO

Entrei na estação, duas estações acima da estação de saída. Era uma estação de comboios já antiga, rodeada de um manto de neve que transformava toda a rua num longo caminho branco e gelado, escondendo debaixo o seu manto verde de relva que adormecia gelada sob o cobertor forçado. Tirei o bilhete na máquina automática e sentei-me na sala de espera, aquecida e despida de qualquer enfeite na parede. Lá dentro, dois longos bancos de madeira que deixavam que o sol, entrado pela janela, se sentasse ao lado de todas as pessoas. A estação era fria e ao mesmo tempo, muito quente no seu interior.

DOIS PEIXES NO AQUÁRIO

No apartamento, decorado em estilo minimalista, de bom gosto visto no IKEA, Madalena tinha tudo arrumado, exceto o quarto dos miúdos, porque esse não o conseguia manter em ordem. Na sala, apenas um sofá grande, uma chaise longue, um tapete com riscos abstratos, um móvel comprido de televisão, a respetiva televisão em cima, uma janela com cortinados, também eles de desenhos abstratos a lembrar que aquela casa era decorada com bom gosto.

A TASCA

O Manuel entrou na tasca da aldeia num dia de chuva e de vento. Estas alturas do ano eram cheias de vento, frio e água que caía dos céus como se alguém a estivesse a despejar a partir de um daqueles baldes chuveiro que Manuel usava naquela divisão da casa, que era como se fosse uma casa de banho. A sua mulher, Antónia, aquecia a água à lareira e, nesse balde, dentro do alguidar, Manuel tomava banho aí de oito em oito dias, porque o processo era moroso e complicado.

CINCO ESCUDOS

Mariazinha ia fazer o exame da quarta classe dali a um mês. Morava num monte perdido no meio da Serra do Caldeirão a que davam o nome de Lontra, talvez relacionado com o animal em si que, até há pouco tempo atrás, fazia parte destas serranias. Mariazinha vivia com os seus pais e irmãos. E eram muitos. Não tinham eletricidade. Estrada de alcatrão e saneamento básico eram desconhecidos também. Aliás, não fariam ideia, por muitos anos, do que isso poderia ser. Nunca tinha sido até aí e aquelas coisas que nunca vimos, nunca conseguiremos imaginar o que são até que alguém registe a patente da invenção. Já tinham inventado a eletricidade neste mundo, mas lá ainda não se sabia o que era.

OS GIRASSÓIS DE SAIGÃO

Cheguei a Saigão, que hoje já não se chama assim. Hoje é Ho Chi Minh. Cidade com o nome do fundador do moderno Vietname. Lembro-me e recorro ao nome Saigão à luz daquilo que escreveu Marguerite Duras. Nos tempos da presença francesa, uma história de amor n´O Amante.

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