30 Agosto 2023      08:34

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Os tumultos no Sahel vão sair-nos caro

Um general ouviu dizer que ia ser demitido e, como tal, decidiu pôr em marcha um golpe de Estado e derrubar o governo. Não porque discordasse ideologicamente deste, não porque houvesse uma crise de fome, não porque houvesse revolta popular, simplesmente porque sentiu que iria ser afastado.

Isto acabou de acontecer há dias no Níger, o sexto país da região do Sahel a sofrer um golpe de Estado bem sucedido desde 2020, juntando-se ao Sudão, ao Chad, ao Mali, ao Burkina Faso e à Guiné Conacri. E assim, uma das já poucas democracias do Sahel cai, e uma das mais importantes bases de combate ao terrorismo, onde estão estacionadas tropas francesas e americanas, corre perigo de desaparecer, porque se vier a acontecer o mesmo que aconteceu após os golpes no Mali e no Burkina Faso, as tropas ocidentais serão expulsas do terreno, ao mesmo tempo que o novo governo abrirá as portas aos mercenários russos da Wagner, liderados por Prigozhin e coordenados pelo Kremlin, que não terão interesse em manter a segurança face ao terrorismo, mas sim em explorar o caos em seu benefício em busca de combustiveis fósseis, terras raras e metais preciosos, fazendo o caos proliferar por toda a região e gerando as condições perfeitas para o disseminar dos grupos terroristas e da miséria humana.

Esta é a sórdida estratégia de Moscovo e Pequim na sua cavalgada global de combate ao bloco democrático, criar mais uma frente de batalha no sentido de enfraquecer as democracias europeias e norte-americanas. Tanto Putin como Xi sabem que o Sahel tem um grande potencial de desestabilizar a Europa de diversas formas. A região é um dos epicentros globais do terrorismo, onde grupos como Boko Haram e outras ramificações do Daesh proliferam por entre os vazios de poder causados por golpes de Estado, revoltas étnicas, crime organizado e intervenções mercenárias russas, sem tropas francesas ou americanas a manter a segurança destas zonas, nada irá parar uma nova escalada terrorista, bem como uma nova vaga migratória avassaladora.

A situação não está, de todo, a favor das democracias, tanto americanos como franceses estão a perder influência na região, um dos últimos países alinhados com o ocidente era precisamente o Níger que, com este golpe de Estado, começará inevitavelmente a locomover-se para uma posição pró-Rússia no sentido de proteger a integridade da nova regência. Tanto Mali como Burkina Faso, dois regimes pró-russos, já declararam estar de prontidão para defender o novo executivo do Níger. Resta a Nigéria como última esperança e base de apoio da democracia na África central.

É profundamente errado cair na conclusão de que estes tumultos estão demasiado longe das nossas vidas e que estamos livres de qualquer estrago, estes deslocamentos súbitos das placas tectónicas geopolíticas no Sahel são uma bomba em contagem decrescente. A região do Sahel, é uma enorme região entre o Saara e a Savana que se estende do Atlântico ao Mar Vermelho, e alberga dentro de si uma vastidão de países cuja demografia cresce de forma incontrolável, é lá que se registam as maiores taxas de crescimento populacional em todo o mundo. Mergulhar a região no caos dos saques de mercenários Wagner e na proliferação do terrorismo tornará o Sahel num inferno para a sua colossal população.

Veremos na Europa um aumento inacreditável de migrantes da região, uma multiplicação de mortos no mediterrâneo e de corpos a dar à costa nos países do sul, novas rotas de tráfico humano a surgir, salvamentos e desembarques cada vez mais frequentes nas praias do Algarve, e o regresso do sangue às ruas das nossas cidades, numa nova vaga descontrolada de terrorismo fundamentalista. Com todas as repercussões políticas que estes eventos carregam, criando terreno fértil para a disseminação e crescimento dos movimentos anti-democráticos e enfraquecimento das forças políticas tradicionais, com todos os previsíveis prejuízos para os direitos liberdades e garantias que tomamos diariamente como assegurados.

Com a imprevisibilidade eleitoral que vem do lado de lá do Atlântico, onde Trump continua como candidato preferido do eleitorado republicano, é tempo da União Europeia elaborar um plano de emergência para o Sahel e de o incluir rapidamente nas políticas de vizinhança e de segurança, para colocar, in loco, os devidos mecanismos de resistência geopolítica.

Neste momento, os mísseis rebentam a leste, mas a sul, uma nova tempestade se forma na vastidão do horizonte.