24 Setembro 2022      12:02

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O copo meio cheio

Estanislau era um tipo muito calmo. Excessivamente comedido por vezes, diziam aqueles que o conheciam. Eu próprio não o conhecia. Tinha ouvido falar dele há uns tempos, através de conhecidos, mas nunca tinha tido um contacto próximo com a pessoa em causa.

Em dias pares, diziam as más-línguas, Estanislau tinha mau feitio. Nesses dias, não havia vivalma na aldeia que chegasse perto de si e lhe transmitisse os anseios, as ideias, as coisas que não se podiam dizer na praça do município.

Nos dias ímpares, era uma paz de alma. Alguém esforçado e dedicado a ajudar o próximo. Uma pessoa tão terna que muitos não sabiam de onde lhe vinha tanto humanismo. Era, como poucos, capaz de ajudar a mais anciã das vizinhas a transportar as compras de primeira necessidade para casa. Ajudar aquele futuro craque de futebol a marcar o golo na baliza adversária, o padeiro a entregar o pão, sem falhar uma porta, deixando inclusivamente dinheiro para pagar o alimento aos menos favorecidos.

Assim, já toda a gente conhecia o funcionamento de Estanislau. Era o homem da aldeia mais conhecido. Na terra, todos o chamavam o copo meio cheio e o copo meio vazio, dependendo dos dias bons e dos dias maus, ou seja, dos pares e dos ímpares. Dia sim, dia não.

Pensar sobre a filosofia do copo meio cheio e do copo meio vazio faz-nos, de facto, pensar nas implicações que a nossa própria mente tem nas diferentes coisas que nos rodeiam e sobre as quais temos intervenção. Existem sempre duas formas opostas de ver as coisas, de fazer as coisas, sejam essas coisas quais forem.

Estanislau era um desses homens de copo meio cheio, daqueles que se mutava como um verdadeiro camaleão. Diga-se, em boa verdade, que na aldeia toda a gente o conhecia ou reconhecia e que toda a gente se tinha acostumado aos seus jeitos e trejeitos. Estanislau era o Juiz de Fora da aldeia. Nesse caso, tinha passado palavra que se arranjasse julgamento nos dias ímpares. Nesses dias, diziam à boca pequena, o copo estava meio cheio e não meio vazio. Era importante saber isso. Durante muito, muito tempo, tudo correu muito bem! Julgamentos em dias ímpares, queixas contra vizinhos que não se gostavam el dias pares. E o que era, copo meio cheio, copo meio vazio, não mudava e transmitia segurança aos que lá viviam.

Ora bem, Estanislau numa sexta-feira 13, puniu toda a gente no julgamento. Não houve cá complacência para ninguém! Todos baralhadas, os habitantes não sabiam o que pensar. A matemática tinha sido feita. Havia dias do copo meio cheio e dias do copo meio vazio e agora isso já não batia certo.

Durante dias a fio andou tudo desorientado. Ninguém sabia quando o copo estava meio cheio ou quando o copo estava meio cheio… era uma roleta russa.

Um ano depois, todos os habitantes conheciam a nova regra. Em dias pares, Estanislau estava em modo copo meio cheio, em dias ímpares o copo estava meio vazio e isso era mau sinal.