7 Abril 2015      14:52

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ESTÉTICA

Francamente, o desfile é sofisticado. Os manifestantes usam uniformes limpos e nítidos. E sustentam as suas bandeiras bem alto. Esculturas enormes de cavalos e homens pairam sobre a procissão.

Sãos as filmagens do Dia da Arte em 1939. Uma marcha que celebra a estética nazi.

“O Governo, cuja metade é composta de homens que já aspiraram servir as artes, têm absoluta noção do papel do artista enquanto intermediário”, diz o narrador, citando o famoso autor nazi, o letrado Hans-Friedrich Blunk.

 

“Este Governo…conhece os mais profundos desejos do povo, os seus sonhos ilimitados, que só um artista pode dar forma.”

 

Estas filmagens marcam o início do Architecture of Doom (Arquitectura da Destruição), um documentário de 1989 do sueco Peter Cohen, que explora a ideia de beleza de Hitler, e as coisas terríveis que este viria a fazer, em nome dessa beleza.

  

O esboço de Hitler do padrão nazi ao lado de seu protótipo. Foto via Museu Memorial do Holocausto, dos Estados Unidos da América

 

Os nazis são um dos vilões mais duradouros da cultura popular. Seja em jogos de vídeo, programas de TV e filmes, ninguém se incomoda muito se os heróis matam nazis. Acontece há mais de meio século.

E não é difícil perceber porquê. Afinal os nazis assassinaram milhões de pessoas.

 

Mas Stalin e seu regime também mataram milhões ... e ainda assim os soviéticos parecem não justificar a mesma representação que temos dos nazis.

 

Está tudo na sua imagem. A dos nazis era escorregadia. Usavam preto e vermelho. Tinham caveiras nos seus uniformes. Chamaram o seu próprio regime de Terceiro Reich, invocando a idade há muito desaparecida dos conquistadores romanos.

Os nazis são os vilões favoritos porque eles olham como vilões. Um olhar que escolheram para si mesmos.

 

A suástica negra num campo vermelho não necessita das atrocidades nazis para ser suficientemente evocativa. O que é precisamente o que pretendia Hitler. Ele era um artista falhado com uma grande imaginação… e um ego a condizer.

 

  

Esboços arquitectónicos de Hitler. Fotografia de First Run Features

 

“Artistas falhados eram característicos da liderança do Terceiro Reich”, explica Cohen no seu documentário Architecture of Doom.

A Academia de Belas Artes de Viena rejeitou por duas vezes o pedido de entrada do jovem Hitler. Joseph Goebbels, chefe da propaganda nazi, escreveu um romance, vários poemas e peças teatrais. Baldur Von Schirach, líder da juventude hitleriana, escrevia poesia. Alfred Rosenberg, outro proeminente líder nazi, pintava e tentou escrever um livro.

Em duas densas horas, Architecture of Doom, detalha as obsessões artísticas dos nazis. Inclui as pinturas favoritas de Hitler, os seus esboços arquitectónicos e alguns dos mais perturbadores rolos de filme dos nazis.

Logo nos primeiros dias do então novo regime, os nazis tentaram eliminar tudo o que consideravam arte degenerada. Falamos da arte moderna, que não se encaixava na ideia de perfeição do partido nazi.

 

“Não foi suficiente destruir as pinturas”

 

Mas para tal não bastava destruir as pinturas degeneradas. Não, os nazis pegaram nela e levaram-na em tournée. Afinal queriam provar que esta era perversa.

Para esse efeito Paul Schultze-Naumburg, arquitecto e professor alemão, fez uma série de palestras por toda a Alemanha, comparando doenças mentais e arte moderna, exibindo slides de pinturas de vanguarda ao lado de imagens de pessoas com deficiências.

 

   

Slides das palestras de Paul Schultze-Naumburg. Fotografia de First Run Features.

 

Não durou muito tempo entre a tournée de palestras de Schultze-Naumburg e o início dos programas nazis para eliminar pessoas com deficiências.

O programa T4 – um dos primeiros de eugenia dos nazis – era uma extensão dos ideais estéticos de Hitler. Eliminaram-se judeus, ciganos e todos os outros que o Terceiro Reich considerava indesejáveis.

Pode ser difícil compreender neste momento mas a ideia de Hitler, do que este considerava agradável, motivou todas as suas políticas raciais. O documentário de Cohen faz um bom trabalho ao explicar isto.

 

     

Propaganda nazi tomando as pessoas "belas" fora de raça como indesejáveis ​​da sociedade. Imagens de First Run Features

 

“Definir o nazismo em termos políticos tradicionais é difícil”, conclui Cohen.

“Principalmente porque a sua dinâmica foi alimentada por algo muito diferente do que costumamos chamar de política. Esta força motriz foi estética. A ambição dos nazis foi a de embelezar o mundo por meio da violência.”

“Mais do que os inimigos que foram abatidos, ou os opositores do regime, eram as pessoas inocentes cuja existência estava em conflito com o sonho nazi.”

 

Arqchitecture of Doom explora esse horrífico, horrífico, sonho com a beleza.

 

Do artigo original: “The Nazis Obsessed Over Beauty” by Matthew Gault https://medium.com/p/c29da1662410