20 Agosto 2023      09:29

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Prazo de validade

O único empregado da loja chegava uns minutos antes da hora de abertura que era às 8:30 da manhã. Dia após dia cumpria o ritual de levantar a grade enferrujada do portão de entrada, limpava o resto de beatas que se acumularam durante a noite, tirava o letreiro com as promoções do dia e abria a porta para os clientes virem explorar a loja e consumirem os produtos que lá se vendiam.

Acontecia todos os dias menos ao domingo. Ao domingo, a loja estava fechada. E, claro, nesse dia, o desventurado empregado descansava com a família numa casa muito singela que não ficava muito longe da loja.

Era como um ritual que cumpria abnegadamente, seis dias por semana. Abria a loja às 8:30, fechava para almoço às 13:00, reabria às 14:30 e encerrava para o dia às 20:00. Raramente aquele portão se mantinha aberto após as 20:00. Tal só ocorreria na eventualidade de uma enchente de clientes cujo escoamento não fosse possível em tempo útil.

Que se recorde nunca tal tinha acontecido.

O dia mais movimentado da loja pode dizer-se que era a quarta-feira. Nesse dia eram atendidos uma média de 3 clientes e meio. Os restantes dias ficavam-se pelos 2, 3. Aos sábados se um cliente cruzasse o portão já era muito bom. O empregado da loja já se tinha habituado aos rituais e aos movimentos dos clientes. Sabia exatamente o que cada um deles iria comprar naquele dia. Tinha, por defeito, deixado já à mão as coisas que saiam do stock.

Estabelecimento propriedade de um dono desconhecido, nunca o empregado tinha visto a cara da entidade que lhe deixava o cheque na caixa do correio da loja no último dia de cada mês e cuja voz só ouvira pelo telefone. Convivia bem com isso. Não lhe fazia qualquer confusão. No fundo e no final, aquilo que lhe interessava era que os produtos não entrassem em ruptura de stock, que o cheque não falhasse na caixa do correio (tinha uma família para alimentar e muitas contas a pagar) e que os clientes saíssem satisfeitos.

Verdade seja dita que, neste lugar onde se vendiam principalmente mercearias e outros utilitários para o dia a dia e, bem, quase tudo, nunca o stock entrara em ruptura de nada. Não só pela cuidadosa forma como o empregado mantinha tudo organizado, sob o seu olhar atento, mas também porque ninguém comprava lá nada, a não ser uma dúzia de garrafas de vinho por semana, uma ou outra cebola, água e açúcar.

Desde que a grande superfície comercial abrira portas na rua a seguir, nada se vendia. Todos os clientes foram para lá, ficando apenas aqueles de quem já falamos atrás. Desde esse dia, todos os produtos à venda ou estavam quase, ou tinham já passado o prazo de validade.