9 Maio 2024      16:45

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A Festa da Santa Cruz na Aldeia da Venda

Imagem de capa de Antonio Casqueira

A Festa da Santa Cruz na Aldeia da Venda, um ícone da Religiosidade Popular no Alentejo

Seguimos a nossa jornada pela cultura alentejana. Desta feita, até à Aldeia da Venda, freguesia de Santiago Maior, concelho de Alandroal.

Manifestando-se de várias formas, as Festas da Santa Cruz são conhecidas e praticadas por todo o país. Na Aldeia da Venda, esta festa surge com a particularidade de não contar com a intervenção de qualquer autoridade eclesiástica, sendo organizada e operacionalizada pelas mulheres da aldeia, (FITAS, 2014)[1]. Tendo originalmente sido realizadas nos primeiros dias de Maio, estas festas representam uma celebração festiva cuja tradição se perpetuou desde a antiguidade. Na Antiga Roma, já se celebravam as Florálias, com louvor à Flora – Deusa das flores e mãe da Primavera. Refira-se que, ainda antes dos romanos, eram celebradas festividades de carácter popular com base nas flores. Eram estas Festas de Maio que desde épocas remotas, na sua essência, recordam antigos cultos de celebração do fim do inverno e do despertar da primavera. No Sul, mais conhecidas como “Dia das Maias”.[2]

Pela sua originalidade, caraterísticas, simbologia e fusão cultural, é esta festividade um testemunho ímpar do património imaterial do Alentejo. O ritual em si carateriza-se por uma dinâmica muito própria e de certa forma complexa. Seguindo o admirável trabalho de investigação da Drª. Ana Paula Fitas, conseguimos compreender de forma objetiva a dinâmica desta festividade. Assim e segundo a mesma autora, são colocados quatro mastros no cruzamento das ruas que atravessam a aldeia. Depois de enfeitados com flores de papel é colocada no centro uma mesa coberta com um pano branco. Pano esse decorado com laços de cor. Também as almofadas com cores são motivo de decoração na mesa. Já no chão envolvente, são espalhadas verduras e flores. Posteriormente e depois de arranjado o espaço, a população começa  a ouvir o sui generis som das mulheres – “cântico”. A organização destas mulheres obedece a uma organização distribuída por dois grupos distintos. E é na rua principal que um grupo sobe e o outro desce até se encontrarem na mesa anteriormente descrita.

Como refere FITAS (2014), “o grupo que desce rumo à encruzilhada é liderado pela Mordoma, vestida de branco e transportando nas mãos a chamada Santa Cruz, enfeitada com ouro emprestado pelos residentes (…); o grupo que sobe para o local do encontro é liderado pela Madanela, vestida de negro e transportando nas mãos um pano com o rosto de Cristo coroado de espinhos”. Importa referir também que cada grupo tem a sua constituição bem definida. Deste modo, ambos são compostos por um conjunto feminino (com uma figura feminina central), duas madrinhas, quatro cantadeiras com pandeireta e um conjunto masculino constituído por três atiradores. Ou seja, o ritual engloba um total de vinte e seis jovens, distribuídos por dois grupos de treze jovens (sete raparigas e 6 rapazes). De seguida e já frente a frente de cada lado da mesa com o som das acompanhantes, dos disparos e pandeiretas, os grupos apresentam o designado “encontro”.  Com o contacto entre a Cruz e o Pano, temos o momento seguinte, designado de “beijo” e representa a consonância entre os grupos. Após este momento constitui-se um grupo único que sobe a aldeia com as duas figuras centrais ao lado uma da outra, as quatro madrinhas atrás, seguidas de duas filas de quatro cantadeiras e ladeado por seis rapazes, atiradores, de cada lado (FITAS, 2014)[3] . Já na Casinha da Cruz, Madanela e Mordoma, em uníssono, apresentam a Cruz. Por fim, no dia seguinte, a Cruz sairá da Casinha, onde permanecerá na casa da Mordoma até ao ano seguinte.

Muito ficará certamente por escrever e explicar. A todos os que se interessem por esta incrível temática, não poderíamos deixar de recomendar o magnífico livro de João Augusto David de Morais – “Religiosidade Popular no Alentejo, A Festa da Santa Cruz da Aldeia da Venda e a sua dialética com o sagrado”. Uma obra concebida em 2010. Por sua vez, importa também referir os magníficos registos realizados por Michel Giacometti e que se encontram nos arquivos da RTP.[4]

 

 

[1] FITAS, Ana P. (2014): “A Festa da Aldeia da Venda (Alandroal – Alentejo) Património Cultural Imaterial e Religiosidade Popular na Raia Alentejana-Extremenha”.

Acedido em:  Dialnet-AFestaDaAldeiaDaVendaAlandroalAlentejo-5226136.pdf

[2] Idem

[3] Idem