17 Novembro 2023      17:11

Está aqui

A Desumanização da Democracia

A grave crise política que assolou a nação motivou-me à reflexão que partilho (aliás mais do que política estende-se aos pilares básicos num estado de direito democrático), mas não é sobre ela que escrevo, na premissa em que se existirem bases legitimas de acusações devem existir condenados, pois obter dividendos ilegítimos a partir da causa pública, tem que ter julgamento e condenação. De igual modo a realização de investigações ao estilo reality show, com a colocação de suspeitas antes das bases de acusação em praça pública em tempo real, com as repercussões que nestes casos pode ter, deve igualmente ser analisado e investigado. São situações desta gravidade, que minam a confiança das pessoas, nas instituições do Estado.

Foco as linhas que se seguem e sem filtros de politicamente correto, no que me preocupa realmente, por não estar à distância de simples decisões... A crise maior é a de valores e isso provoca uma rápida desumanização do espírito democrático.

Vivemos o tempo do faz de conta, da alta velocidade nas redes sociais e nos meios de comunicação, o tempo das certezas absolutas sobre tudo num momento e nada no instante seguinte, o tempo em que se “rasga” na praça pública e sem pudores qualquer pessoa que tenha exposição pública, enquanto se acende um cigarro e se bebe uma cerveja ou se raspa uma raspadinha em galhofa com os amigos para tentarmos cativar as atenções e os sorrisos.

O tempo em que com base naquilo que se ouve na multidão, nas frases feitas, nos reels e nos pensamentos encomendados sem termos noção das fontes, julgamos cruelmente o outro, com especial prazer se porventura se tratar de um decisor público, não tendo qualquer importância o facto de antes do título ou do cargo estar uma pessoa, com família, com amigos, com vida privada e com as necessidades básicas que todos temos, mas que numa fração de segundo e num “sopro” vê ruir toda a sua privacidade e estrutura pessoal, familiar, profissional, com danos irreparáveis e rótulos mesmo que tantas vezes injustos até ao final da vida.. Mas isso pouco interessa se nos der uns likes, uns momentos de prazer e diversão, de descarga de frustrações, ou de afirmação efémera no nosso grupo de amigos virtual.

Nestes dias turvos de notícias que nos gelam, retive como o momento de humanidade e calor, aquele em que a Fernanda Tadeu, sentada no chão de S. Bento, “nas tintas” para opiniões e considerações, fixou o olhar no marido António Costa, porque só eles os dois saberiam as condições emocionais em que a comunicação ao país era feita.

Vivemos o tempo antagónico, da aversão aos políticos assumidos do sistema partidário democrático (pelo menos da cor contraria à nossa), mas em que todos somos e queremos ser políticos, desde o tradicional político de sofá que sobre tudo opina e sabe, ao político do snack bar que é o maior, ao jornalista que é polícia e mais do que investigar e comenta politicamente, até ao comentador, que esse então pode ser político e juiz dono da verdade suprema em canal aberto.

Este estranho conjunto de contradições, que tudo nos permite, foi-nos oferecido por um elemento chamado DEMOCRACIA e é isso que está em causa, quando tantos de nós vivem no saudosismo de tempos que nem viveram, com referências a um passado opressivo a preto e branco, onde nenhuma destas formas de estar e opinar que praticam era permitida, onde os ricos eram mesmo ricos e os pobres eram mesmo pobres!

É deste elemento chamado DEMOCRACIA, que devemos todos saber cuidar, evitando se necessário for, usar tudo o que ela nos permite em determinadas situações.

Interpreto a política como a arma do bem, o exercício da missão pública como a disponibilidade para o serviço aos outros, à nossa comunidade ou ao nosso país, e deve ser assumido por cada individuo que tem esse privilégio, como a mais nobre missão de uma vida, para que possa sair com a mesma dignidade com que entrou!