8 Fevereiro 2020      09:29

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Yoga

Yolanda gritava com toda a gente. Tinha o feitio mais execrável que havia à face da terra. Era polícia, tinha dois metros e não havia homem que a derrotasse quando entrava numa luta. Yolanda tinha nascido assim, bruta, pura, por esculpir e muito se orgulhava de assim ser.

Nos seus 32 anos de idade, era uma pessoa distante da família e amigos não se lhe conhecia nenhum. Passava os dias em casa após o trabalho a ver séries do Netflix. A família telefonava-lhe constantemente e convidava-a para se juntar a eles. Inventava sempre uma desculpa e nunca ia. Era uma pessoa estranha que passava os dias sozinha. Tinha uma paixão, o trabalho. Mas não se dava com nenhum dos seus colegas. Irritava-os e irritavam-na. Sabem, aquela antipatia natural que as pessoas sentem umas pelas outras ainda antes de se conhecerem? Yolanda era assim com a maioria das pessoas.

Porém, no fundo, no fundo, era um torrãozinho de mel que ainda ninguém tinha descoberto. Era uma diamante em bruto à espera de ser esculpido. Nunca se tinha apaixonado um dia na sua vida. Nunca tinha sentido o amor e nunca tinha sentido o calor de um corpo junto ao seu. Também não falava disso com ninguém. As nossas idiossincrasias são tão estranhas. As nossas diferenças tão abismais às vezes.

Teve uma adolescência difícil. Na escola era constantemente maltratada pelos colegas. Perguntavam-lhe: Yo Landa? Já foste à Holanda? E aquilo magoava-a imenso. Não conseguia perdoar aos pais terem-lhe chamado Yolanda quando lhe podiam ter chamado Maria. Que crueldade. Por isso foi para a polícia, para se tornar imune a esses ataques. A adolescência molda as pessoas de uma forma que não se imagina. Dali Yolanda deixou de ter emoções.

Um dia, a perseguir um bandido, caiu e bateu com a cabeça. Ficou bastante mal e teve, inclusive de passar uns tempos no hospital. Quando recuperou, por insistência dos médicos, decidiu mudar alguns hábitos na sua vida. Começou por frequentar aulas de yoga. Ia a uma escola perto de casa, mas a professora era péssima e Yolanda não gostava. Pensou desistir mas decidiu ficar. Ao fim de algum tempo, a professora mudou de terra é Yolanda, que agora era uma pessoa muito mais calma e mais doce, sorriu.

O professor que substituiu a antiga professora era um homem espadaúdo, da mesma altura de Yolanda, com dentes de estrela de cinema e músculos de surfista. Yolanda quase teve uma apoplexia. Apareceram-lhe uns coraçõezinhos nos olhos e umas borboletas no estômago. Apaixonou-se! Não se apercebeu disso porque não sabia o que era. Sabia sim, que queria ir às aulas todos os dias. Ao fim de um mês, já estava mais elástica que um pedaço de plasticina.

Um dia, a sair da aula, o professor encheu-se de coragem e convidou-a a sair para jantar, acreditando que ia levar uma bofetada. A resposta de Yolanda foi tão surpreendente que o deixou sem saber o que fazer. Tinha finalmente quebrado a muralha de ferro da mulher sem emoções.

E, claro, esta história acaba como todas as outras bonitas histórias de amor. Casaram e foram muito felizes. Yolanda era a pessoa mais querida para o marido e bruta para os bandidos. Ah, e passaram a frequentar os três os almoços de domingos da família em Famalicão.