1 Fevereiro 2020      11:13

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Xisto

É de xisto que a minha pele é feita. É desta pedra dura mas que se divide e se adapta que a minha metamorfose existe. Dentro e fora dela, a minha pele despede-se em camadas como se lascas de xisto se tratassem.

Os meus olhos, ao acordarem no mundo e a terem consciência de mim, viram abaixo das árvores e plantas e terra, abaixo, as pedras de xisto que as acolhem, que as suportam. Tal como o xisto suporta o Alentejo, também o Alentejo me acolhe e me envolve.

Nas casas, onde se nascia e onde se morria outrora, paredes feitas de camadas de xisto, grossas e resistentes, eram o calor e o frio. Nas lareiras, em base de xisto, ardiam os toros das árvores secas que, nos montes e nas planícies abraçavam essas mesmas pedras com as suas raízes.

O homem que trabalha no campo conhece-as bem. Delas faz o seu campo que se reproduz em alimento. O homem que se poderia chamar Xavier viveria numa casa de xisto, plantaria o alimento e colheria. Valia a pena falar dele e valia a pena falar da terra. Seria importante conhecer as pedras todas dos terrenos todos, saber o que jaz abaixo. Descobrir no subsolo que segredos escondidos assumem a forma de rocha.

Xavier contava apaixonadamente os segredos do xisto aos seus alunos, nas aulas de Geologia. Tão apaixonado que os alunos já conheciam todos os segredos e todos os pormenores da pedra. Xavier vivia numa casa de feita de xisto, em camadas, estucada e caiada como antigamente se faziam. Tinha também nascido numa casa dessas mesmas e contava morrer nela, se não assim fosse, que a sua lápide fosse em xisto como o chão que pisava na rua e como as lápides de há muitos anos atrás que, nos museus nos lembram que muitos antes de nos já viveram nos mesmos sítios e já neles pensaram, como nós pensamos e sentimos.

Xavier era alentejano e a sua pele escamava-se como se uma pedra de xisto fosse.