Nunca foi nem será tarefa fácil conseguir as palavras certas para expressar o fascínio que António Variações exerce.
Para já porque não é lógico, nada daquilo devia fazer sentido. Uma viagem entre uma aldeia perto de Braga e Nova Iorque – veja-se a insolência.
Por outro lado, quem o viu pela primeira nesse notável ano de 1982 (e notável porque um certo conjunto de pessoas a viver nos confins adiados do interior de um país só um pouco menos adiado nele cumpriu o seu oitavo aniversário) não poderá jamais esquecer – uma espécie de saco de plástico enorme e transparente por cima de um corpo seminu, a barba acima de qualquer moda, os gestos petulantes em contraponto com a voz melódica, uma estranha simplicidade que não se harmonizava com a imagem nem com a ideia (em evidência) por trás da imagem e, no entanto, como se ele estivesse próximo, ainda que sempre em busca, da plena harmonia consigo próprio.
Mas não era nem é só, também a inquietude em cada letra - porém expressa como um leve sobressalto -, o medo de não encontrar o caminho, de não viver de acordo com o potencial do desejo assumido, a ilusão perante o acto de viver (vida que hoje, ainda por cima, sabemos ter sido perdida) e o fascínio assombrado ante a suspeita da solidão.
Atentem, por exemplo, nestas palavras antes de cantar o Anjinho da Guarda, no Rock Rendez-Vous: “Porque não vêm até aqui. Eu sou um anjo bom – Não sou um anjo protector, não me peçam protecção, porque eu é que preciso de protecção. Porque é que não vêm até à frente? Estão muito longe, tenho saudades vossas.”
E depois simplesmente cantou…
“Eu tenho um anjo, anjo da guarda
Que me protege de noite e de dia
Eu tenho um anjo, anjo da guarda
Que me protege de noite e de dia
Eu não o vejo, eu não o oiço
Mas sinto sempre a sua companhia…”
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Se consegues resistir, caro leitor, ilustre destinatário de tão obstinada apologia, então faz o que te digo: salta de um penhasco e esborracha-te lá em baixo, pois nada mais te resta.
Imagem de porto24.pt