11 Julho 2017      12:39

Está aqui

VAI MESMO HAVER BREXIT?

 Já andamos todos enfadados deste tema, mas a verdade é que ele nos vai acompanhar (sendo otimista!) pelo menos nos próximos dois anos. E como tal, há que habituar as massas à presença deste assunto de forma constante na ordem do dia durante um considerável período de tempo.

A pergunta do título não é de todo descabida. Infelizmente para mim, que sempre fui favorável a uma saída do Reino Unido da União Europeia, não porque deseje que a UE acabe, mas sim porque desejo que a UE progrida de forma mais profunda e pragmática, e o Reino Unido é sem sombra de dúvidas um entrave claro a essa progressão desde 1973, data da sua adesão.

O Reino Unido aderiu à UE há mais de 40 anos, depois de ver essa entrada vetada duas vezes por De Gaulle, que não acreditava (e bem!) que o Reino Unido tivesse “espírito” para entrar num processo de paulatina concessão de soberania a um proto-super-Estado europeu. Aquando da saída de cena de De Gaulle, os britânicos viram o caminho livre para aderir ao projeto. E, muito por via de serem uma porta aberta para a Commonwealth, uma potência nuclear, militar e marítima, e também por possuírem uma economia e moeda fortes, conseguiram negociar uma adesão numa posição de superioridade, e colocar-se num patamar de “membro em regime especial”. Posição que deitaram a perder a partir do momento que marcaram o referendo do ano passado, fosse qual fosse o resultado, aquele referendo iria ser um atestado de comprometimento total, ou cisão total, não haveria meio termo.

A pergunta de partida que é colocada não é de todo descabida por uma simples razão. Será o Reino Unido capaz de se desvincular da UE em apenas dois anos como ditam as regras dos tratados?

Enumeremos alguns dos factores em consideração.

1º- Serão dois anos, tempo suficiente para reverter mais de 40 anos de legislação integrada e sua a respetiva minúcia de proporções colossais? Terá o Reino Unido recursos humanos em quantidade suficiente para dar vazão a negociações meticulosas que vão desde acordos de comércio a estatutos dos passaportes dos animais de estimação!? Será certamente uma tarefa de proporções titânicas. Dizem os otimistas que para tão vasto tsunami burocrático a atravessar, seriam necessários 5 anos para se concluir todo o processo com relativo proveito. Os pessimistas estendem as suas previsões para os 8 ou 10 anos. Mas tudo terá de ser concluído em 2, e a UE será, com relativa certeza, absolutamente intransigente, porque:

2º- Apesar de o Reino Unido ser uma potência económica com a qual seria sensato manter uma relação comercial vigorosa, essa sensatez é atirada para segundo plano quando a UE irá, muito provavelmente, dar primazia à estabilidade política do projeto europeu, passando uma mensagem de força e intransigência para os restantes 27 Estados-Membros, no sentido de mostrar qual o calvário que espera a quem ostente acionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa. Não se trata de pura má fé por parte do projeto europeu, mas sim de puro jogo de poder e pragmatismo em prol da solidez da união. Logo, a previsão é que a UE queira tornar o processo o mais duro, moroso e complicado possível.

3º- O Reino Unido encontra-se neste momento em posição de inferioridade negocial. Foram sucessivos os tiros no pé, primeiro por Cameron quando por um punhado de votos, prometeu em campanha convocar um referendo ao Brexit, pondo em causa uma posição especial confortável na UE, e agora por May, ao convocar eleições antecipadas para reforçar a presença na Câmara dos Comuns, onde os objetivos lhe saíram claramente furados, matando a galinha dos ovos de ouro. Ou seja, a UE ganhou com as ultimas eleições britânicas uma certa alavancagem face à negociação que se inicia, ficando o Reino Unido com uma mão cheia de nada e outra cheia de coisa pouca.

4º- Resta ao Reino Unido o amparo da Commonwealth, que não é de todo um mau amparo, não obstante, reservam-se muitas dúvidas se se poderá colocar como uma alternativa capaz de manter o nível de vida a que os britânicos se habituaram a ter nas ultimas décadas, e minimize com relativo sucesso a sangria de banca e multinacionais que manifestam intenções de fugir para Frankfurt, Paris, Bruxelas, Amesterdão, etc.

Perante tudo isto há dois grandes cenários possíveis:

1º Cenário – A UE não cede em querer gerar um efeito “vacina” e conduz um Brexit duro, que resultará em 3 possíveis quadros:

1)     

Brexit difícil e maus resultados nos acordos negociais assinados após 2 anos. Economicamente mau para ambos os lados, mas politicamente seguro para a UE.

2)     

Brexit difícil e nenhum acordo ao final dos 2 anos estipulados no prazo negocial. Economicamente mau para a UE e catastrófico para o Reino Unido, mas politicamente seguro para a UE. Este resultado poderia obrigar o Reino Unido a transformar-se num paraíso fiscal (como já foi ameaçado após o referendo), o que seria também muito nocivo para a economia da UE, bem como para as relações UE – RU.

3)     

Brexit difícil, mas num esforço titânico de superação o Reino Unido consegue ainda assim negociar uma saída com relativa atenuação de estragos. Economicamente razoável para ambos, mas politicamente perigoso para a UE.

(Em qualquer um destes casos as relações UE – RU remanescentes das negociações sairiam crispadas. Mas a estabilidade da UE estaria, por suposição, assegurada.)

2º Cenário – A UE cede em querer gerar um efeito vacina e prefere dar primazia à estabilidade económica avançando para um Brexit suave, que resultaria em:

1)     

Negociações em clima mais fraterno, e provavelmente um acordo minimamente vantajoso para ambas as partes no final dos dois anos, com a possibilidade de o prazo negocial ser estendido para uma maior eficiência na elaboração dos acordos.

2)     

Abertura de um precedente politicamente perigoso para o projeto europeu, que consente como insignificante ou natural, a saída de um Estado-Membro, e que este negoceie o futuro usufruto de vantagens económicas não estando conectadas a obrigações políticas diretas. O que poderia encorajar mais Estados-Membros a copiar a tática e abandonar a união da mesma forma, o que deixaria o projeto mais fragilizado e talvez até com a sua existência posta em causa.

Por fim. Considerando o 2º cenário improvável, o resultado das negociações centrar-se-á provavelmente dentro dos quadros possíveis do primeiro cenário, um Brexit difícil.

Não obstante há um outro quadro que pertence ao cenário 2 que não foi enumerado, mas que não é na minha ótica pessoal, descabido. Esse quadro, que seria o numero 4 do cenário 2 consiste num final muito simples. Não acontece Brexit! Esta hipótese é neste momento aquela que considero a mais provável, infelizmente para mim, como já referi, que preferia uma saída do Reino Unido de modo a consolidar o projeto político da UE.

O não concretizar do Brexit aconteceria caso as negociações perto do final dos 2 anos se revelassem potencialmente desastrosas para os britânicos, e que estes, como medida de salvação, decidissem reverter o processo e continuar na união. Mas claro que isto iria abrir dois precedentes ousados. O primeiro dentro do próprio Reino Unido, onde se ia contrariar o resultado de um referendo que de certa forma, ainda que por uma ninharia, esboçou voz do povo. Seria muito irreverente para uma nação com uma antiga tradição democrática, onde a opinião pública iria provavelmente pegar nesse argumento. O segundo precedente seria aberto dentro da própria UE, e qual seria o estatuto do Reino Unido depois de tanto espalhafato. Continuaria como um Estado-Membro com “regime especial”? Ou seria desprovido de todas as regalias extra que ao longo dos anos foi conquistando, sendo obrigado agora a uma integração a 100%?

 

Estejamos atentos.

Imagem de capa de imperor.net