13 Março 2017      11:24

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UMA REALIDADE DESCONHECIDA

O sonho começa com quatro/cinco anos de curso, com ou sem Bolonha mas a visão de um futuro na barra do Tribunal dá-lhes toda a força necessária para a conclusão da etapa.

Seguem-se três anos de estágio, com emolumentos elevadíssimos, quotas e cpas a pagar e, muitas vezes, mal remunerados ou nem sequer remunerados.

A aprendizagem é sempre feita através mais experientes que têm paciência e vontade de ensinar e incentivar o bom desempenho no estágio. Outros nem essa sorte têm e, mais uma vez, têm que se desenvencilhar por si próprios.

Após três anos de estágio, finalmente a agregação, o dia em que se tornam Advogados.

Depois da felicidade o regresso ao escritório. Para alguns o reconhecimento, para outros um convite a sair porque não há condições para pagar a Advogados.

Começa então a luta para entrar num mercado de trabalho lotado por muitos Colegas com mais experiência que, vá-se lá saber porquê, têm medo da concorrência jovem, jogando sujo e eliminando-os à mínima oportunidade.

Mais uma facada, mas o sonho permanece, um dia ainda hei-de ter um escritório só meu.

Pelo meio, aquele amigo ou conhecido que quer só uma opiniãozinha que não demora nada. Esclarecimento dado. No fim, muitas vezes nem um obrigado se recebe.

A continuar assim não pode ser, tenho que começar a cobrar as consultas. Assim o faz e rapidamente as pessoas acham isso o maior dos crimes: um profissional a cobrar pelos serviços que presta, em alguns minutos. Esquece-se aquele interveniente é que para ter essa capacidade, o profissional teve que investir para obter o conhecimento necessário.

Com ou sem emprego, com ou sem clientes, no final do mês há sempre quotas (mínimo de cerca de 20 euros) e CPAS (mínimo de cerca de 200 euros), valores a que acrescem os descontos de IVA (23%) e retenção (22%). São valores obrigatórios pois, caso não sejam liquidados, não e possível exercer a profissão.

Estamos a falar de jovens profissionais com cerca de 30 anos a receber 1000.00 euros ou menos e a ter que suportar todas estas depesas, juntamente com rendas de casa, carros ou transportes, alimentação e saúde.

Sendo profissionais liberais, e muitas vezes dada a falta de alternativas (dado que as ofertas pendem ou para estagiários pelo IEFP ou para profissionais com mais experiência) estes jovens sujeitam-se ao sistema de falsos recibos verdes, sujeitos a horário de trabalho, férias, local de trabalho, mas sem os benefícios que a entidade patronal deveria dar (por exemplo subsídios de férias ou alimentação).

Porque não te lanças tu sozinho? Certamente irias encontrar clientes! Esta é também uma pergunta comum.

A resposta é simples, com todas estas despesas obrigatórias, é necessária uma carteira de clientes que permita o pagamento das mesmas, no mínimo.

Ora, um jovem acabado de ingressar na carreira, tem na sua concorrência Colegas já estabelecidos e com carteiras que, também eles, levaram anos e anos a lutar para conseguir.

Quem hoje se arriscar a dizer que ser Advogado é sinónimo de riqueza, ofende gravemente estes profissionais.

Não raros são os casos em que, atendendo a este cenário, estes jovens optam por outras alternativas porque simplesmente não conseguem reunir as condições necessárias para cumprir o seu sonho.

Sim, já houve tempos em que ser advogado era todo um posto na sociedade e em que se estalava os dedos e se encontravam clientes, mas esse tempo já vai longe.

Quem tem os seus clientes, obviamente luta para os manter, quem não os tem, procura outras alternativas até os conseguir encontrar.

Os anos vão passando e o sonho de lutar pelos seus clientes na barra do Tribunal vai-se desvanecendo. A vontade de arriscar permanece, mas todos estes impedimentos também.

E assim a vida continua, há que levantar, colocar a capa e voltar para o seu trabalho junto de outros colegas com o sonho adiado.

Afinal é mês de IVA e cada cêntimo conta.

Imagem de capa de canaljustica.jor