14 Março 2025      21:50

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Uma ideia de interior

Quando olhamos para o mapa de Portugal, a noção de "interior" desafia a lógica convencional da geografia. Afinal, o que significa realmente este termo num país tão pequeno, onde o mar nunca está longe e onde as distâncias internas são modestas?

Portugal, na sua totalidade, parece não ter um verdadeiro "interior" se o compararmos com o resto das nações do mundo. Seja pela proximidade constante ao mar, seja pela sua extensão territorial relativamente pequena em comparação com outras regiões do mundo, Portugal não apresenta distâncias internas suficientes para justificar essa classificação. Entre os 195 países que compõem as Nações Unidas, Portugal está no lugar 109 na lista de países com maior área, sem esquecer que cerca de 30 países são pequenas ilhas ou microestados, como o Liechtenstein ou o Vaticano.

Curiosamente, a ideia de "interior" em Portugal não se prende à posição geográfica, mas a outros fatores, como densidade populacional, acessibilidades e proximidade aos grandes centros urbanos. Segundo os critérios oficiais, o interior abrange uma vasta área que vai do Minho à Serra Algarvia, passando por Trás-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa e todo o Alentejo, incluindo até o Alentejo Litoral. E, num paradoxo intrigante, até mesmo uma faixa costeira – toda a costa atlântica abaixo de Lisboa – é considerada "interior".

O que define, então, este interior que não está no "interior"? Talvez seja a distância das metrópoles, das zonas de maior concentração populacional e económica, como Lisboa e Porto. São territórios que, apesar da sua riqueza natural, cultural e histórica, vivem à margem do dinamismo que caracteriza os grandes centros.

Há uma certa ironia nesta classificação. O interior de Portugal, com o seu capital cultural, social e territorial não pode ser sinónimo de isolamento ou de ausência de valor. Pelo contrário, é uma parte essencial do que somos como país. Mas para muitos, a sua perceção continua a ser marcada por uma ideia de afastamento, como se fosse um lugar "longe", a província para alguns, quando, na verdade, está mais próximo do que imaginamos – tanto fisicamente quanto no que compõe o nosso país.

Basta observar os monumentos inscritos na lista do Património Mundial da UNESCO ou os elementos na lista do Património Cultural Imaterial. Dos nove bens culturais imateriais reconhecidos, boa parte está localizada nestas regiões. Destacam-se, no Alentejo, três deles: as Festas do Povo de Campo Maior, os Bonecos de Estremoz e o Cante Alentejano.

Talvez seja hora de repensarmos o uso da palavra "interior" para designar estas regiões. Não se trata de um "interior" no sentido clássico, mas de territórios que estão afastados das metrópoles, das grandes decisões e, frequentemente, das oportunidades. É precisamente esse afastamento que torna urgente uma nova abordagem – não só para reduzir as distâncias físicas, mas para garantir a plena inclusão destas regiões na vida económica, cultural e social do país.

No caso específico do Alentejo, é fundamental compreender que este não é um território isolado no coração de Portugal, mas um "interior" inserido numa lógica ibérica. Essa particularidade representa uma oportunidade estratégica de grande valor: em vez de centrarmos o desenvolvimento exclusivamente de olhos postos na costa e na nossa capital, devemos reconhecer o potencial que advém da proximidade com Espanha, a quarta maior economia da União Europeia.

Este contexto abre caminho para um fortalecimento do relacionamento transfronteiriço, transformando-o num espaço de partilha, cooperação e crescimento mútuo. O Alentejo, com a sua posição privilegiada e as suas características únicas, pode desempenhar um papel central neste diálogo, promovendo o desenvolvimento sustentável e a integração regional numa perspetiva europeia.