9 Março 2018      10:23

Está aqui

Uma Europa de todos os tempos

Conduzia eu numa das minhas inúmeras viagens entre Évora e Odemira quando ouvi uma reportagem sobre uma certa Europa que existe num jardim de Bruxelas e que se espalha pelas casas das pessoas.
 
Pelas casas de casais com filhos, pelas casas de pessoas idosas que vivem sozinhas com as memórias de terem acolhido judeus escondidos da morte nazi, pelas casas de jovens estudantes que vivem nesta cidade, mas que têm origem nas outras cidades todas da Europa e do mundo.
 
É um fenómeno que, nas noites gélidas deste inverno de Bruxelas, tem por base a humanidade. Dizia uma das voluntárias, que faz a mediação deste fenómeno, que quem ajuda não tem perfil definido, dizia que eram “seres humanos. São humanos simplesmente…”
 
O fenómeno é simples: refugiados sem casa e sem solução para fugirem à morte pelo frio ou pela deportação juntam-se num jardim do centro de Bruxelas e, pela ação de voluntários, são acolhidos (será mais correto dizer salvos) nas casas desses “seres humanos” durante estas frias noites de inverno. Dizem que não fica ninguém para trás, ninguém fica ao frio em nenhuma das noites.
 
Esta é uma Europa que contrasta com a noticia seguinte: Eleições em Itália! A Europa vive mais uma vez o sobressalto dos partidos radicais e xenófobos ganharem as eleições ou, pelo menos, ganharem representatividade no parlamento de um dos países democráticos e livres da Europa.
 
Dizem que os Italianos estão fartos das centenas de milhares de refugiados que estão sem solução no seu país, nas suas cidades, nas suas ruas e em campos de refugiados. Dizem que não se sentem seguros e dizem que o seu país parece que já não é!
 
Esperei que as eleições decorressem para terminar este texto porque queria introduzir o resultado dessas eleições. O partido/movimento antissistema (não sei o que quer dizer isto no contexto de um movimento que participa no sistema eleitoral) foi o mais votado e os outros partidos radicais e xenófobos ganharam expressão (tiveram mesmo um resultado histórico) e estão, segundo afirmam, prontos para governar. Mesmo que alguns teimem em entender que afinal não se confirmou o pior (imagino que pior só seria se um deles tivesse maioria), este resultado conduz a Europa por um caminho, progressivo (não sei se é lento), de fechamento e sem solução.
 
Esta Europa da liberdade e do conhecimento. Esta Europa envelhecida, por isso sábia, que se quis transformar num laboratório de promoção do bem-estar para todos. Esta Europa da diversidade que foi construída a partir das ruínas da intolerância! Esta Europa onde as noites de Bruxelas são iluminadas por seres humanos, caminha agora no sentido do que nos conduziu aqui!
 
Não sei quando nem sei onde, mas algures no futuro, num sitio qualquer, um destes movimentos de intolerância passará a barreira defensiva dos tolerantes e progressistas! Colonizará, finalmente, a liberdade com o medo do outro, do desconhecido. Ganhará, por completo, o argumento do controle sobre o da livre circulação de pessoas e bens.
 
Perderá a Europa e o Mundo. Perderá a humanidade que será relegada para uma sombra de um passado livre e que talvez se transforme num movimento de resistência. Talvez vença, espero que sim, mas a história está cheia de exemplos do preço que os nossos filhos terão de pagar.
 
Imagem de capa da Reuters