18 Março 2023      17:45

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Um ramo de papoilas de esteva

Era dia de casamento lá na aldeia. Há muito tempo que ninguém casava. A aldeia também parecia que tinha morrido antes de todos os habitantes morrerem.

Infelizmente, assim acontece no sítio a que chamo a minha casa, no lugar onde nasci! Não há jovens que estejam em idade de casar. Antigamente, não sei porque, moços e moças casavam com vizinhos. Tantos casais surgiram nestas aldeias. Terá sido porque não havia ligação com pessoas de mais longe? O que nos faz apaixonar por alguém?

De facto, a distância, a proximidade, aquilo que é conhecido ou desconhecido moldam a forma como nos conhecemos ou nos apaixonamos. Antigamente, sem internet, as pessoas apaixonavam-se no círculo próximo. Assim, deduzo que nos apaixonamos por pessoas que nos rodeiam e já conhecemos.

Há muitos anos atrás, num monte, na Serra do Caldeirão, freguesia de Gomes Aires, havia uma moça que passava os dias sem conversar com ninguém. Não a conheciam muito bem, porque tinha nascido, ido frequentar a escola primária mas não tinha chegado a Almodovar.

A moça não conhecia as histórias românticas que se veem na televisão, até porque não havia esse instrumento nessa altura. A única coisa que ela conhecia era a rádio. Nela ouvia músicas bonitas dos tempos em que esse era o principal meio de educação.

A moça, tendo terminado a escola, cabia-lhe ficar a guardar as ovelhas e as cabras e assim o fez. Os anos passaram e até aos seus 16 nunca lhe tinha chegado o olho para a paixão.

Um belo ano, quando começava a primavera quase verão, lá no meio da serra, a moça passeava e cantava as suas cantigas, as estevas começavam a mostrar as suas papoilas.

Dessas papoilas apareceu o reflexo do moço que da aldeia vizinha, também nunca tinha ido à escola. Era um guardador de rebanhos, cheio de sonhos, tal como a moça. Ambos tinham a humildade do que nunca tinham conhecido. Ambos viviam da paisagem e da simplicidade que os rodeava e cativava.

Nesse dia, em que se passou, encontraram-se ambos os rebanhos, e ambos os jovens incautos, ele, esperto, já de ramo de papoilas na mão, as ofereceu a ela que se fingiu de surpreendida, e assim nasceu uma nova família no monte.

Claro que as papoilas foram o início de uma linda relação que, como todas teve momentos de felicidade, chatice, partilhas, ovelhas e cabras no meio e, no fim, o carinho e amor de dois seres que, no meio da serra, sem aplicações, se viram e se amaram!