8 Maio 2016      09:22

Está aqui

UM OLHAR SOBRE A INQUISIÇÃO

"TEXTURAS"

Com o casamento dos Reis Católicos D. Isabel I de Castela e D. Fernando II de Aragão, em 1469, pretendeu chegar-se à união Ibérica pelo meio da unificação política das coroas, mas também a uma unificação religiosa, através do estabelecimento da Inquisição para combater as heresias.

Assim, se estabeleceu a Inquisição em 1478, expulsando quatro anos depois os judeus que não queriam converter-se ao cristianismo. O que levou inevitavelmente a uma forte vaga de imigração para Portugal nos anos que se seguiram. Não existem certezas quanto aos números, mas terão sido pelo menos 50000 migrantes. Na verdade, não foram propriamente acolhidos, já que Portugal constituía um sítio de passagem, no entanto, por falta de meios, muitos não podiam prosseguir viagem e tiveram que ficar em Portugal.

Nessa altura, em Portugal, por um lado, perante um número já importante de judeus e muçulmanos, o Reino viu-se confrontado com um recrudescimento de judeus, oriundos do país vizinho. Por outro lado, D. Manuel I, que tinha casamento marcado com a primogénita dos Reis Católicos, não teve outra opção, cedendo a pressões da família real castelhana, senão promulgar um édito de expulsão em 1496 cujo prazo findava em setembro de 1497. Porém, percebendo que seria uma loucura expulsar parte dos seus súbditos mais valiosos, tanto pelos seus conhecimentos científicos como pelas suas contribuições financeiras, no que respeitava aos descobrimentos, entre outros, decidiu mantê-los em Portugal, compelindo-os a abraçar a fé católica. Resumindo e concluindo, o Rei D. Manuel I optou por uma política de inclusão forçada dos judeus e muçulmanos.

Muitos são os relatos dessas conversões forçadas e os mais carregados emocionalmente são os de Samuel Usque, revelando com comoção a crueldade e a frieza com que separavam mães de filhos, assim como os maus tratos infligidos aos que iam ser convertidos à força.

Seguem-se, então, sucessivos avanços e retrocessos no que respeita aos privilégios concedidos aos cristãos-novos, cuja conversão forçada, considerada válida, apesar de ter sido involuntária, não era, por conseguinte, uma garantia de sua efetiva cristandade. Com efeito, D Manuel promulgou uma lei que conferia equiparação legal aos cristãos-novos e que permitia assegurar que os mesmos, cuja fé cristã era considerada frágil (para não dizer inexistente), não seriam perseguidos por crimes de fé durante 20 anos. O que significava que os mesmos poderiam continuar impunemente a praticar o judaísmo no sigilo da sua casa, ao abrigo dos olhares mais inquisidores. Dois anos mais tarde, o rei decide que os cristãos-novos não podem abandonar o reino, não permitindo que pratiquem livremente o culto judaico noutro país. Assim, tiveram início o criptojudaísmo e o criptoislamismo em Portugal.

Em 1524, D João III, filho de D Manuel, confirma as leis promulgadas pelo pai, mas em 1536, também ele sujeito a pressões por parte de Castela, traz a Inquisição para Portugal, sendo estabelecida em Évora no dia 23 de maio.

A Inquisição, o chamado Tribunal do Santo Ofício, como vimos, pretendia unificar religiosamente o país e, para tal, perseguia sem piedade todos os que, de alguma forma, pudessem estorvar esse propósito. Por isso, podia ser-se acusado de tudo e algo mais: blasfémia, posse de livros proibidos, nomeadamente hebraicos, heterodoxia, criptojudaísmo, criptoislamismo, feitiçaria, bruxaria, satanismo, homossexualidade, bigamia, sodomia e outras práticas sexuais ditas desviantes, entre outras.

Às acusações, normalmente provenientes de denúncias ou de inquirições, seguiam-se os interrogatórios em que os acusados deviam confessar e arrepender-se dos seus crimes, assim como delatar vizinhos, amigos e familiares. Caso não o fizessem, eram submetidos à tortura e aí, há que dar o braço a torcer (passem-me o trocadilho), existia realmente arte e engenho na criação das mais imaginativas e cruéis práticas de tortura, pensadas, claro está, em nome da fé.

Após as três sessões de tortura, sempre em presença de escrivães, que apontavam tudo o que era confessado, seguia-se o auto-de-fé. Aí, nesse ritual solene, ao qual não faltava a missa, os penitentes eram informados das respetivas penitências, que, consoante a gravidade, a reincidência, a confissão e o arrependimento, podiam ir da penitência espiritual, com ou sem uso de sambenito, até serem relaxados ao tribunal secular, que os condenaria então à morte na fogueira ou ao garrote. É claro que os bens dos réus lhes seriam confiscados e que lhes pesaria até ao fim da vida a sua passagem pelo Tribunal do Santo Ofício.

Para terminar, deixo-vos os seguintes números: entre 1536 e 1767, foram julgadas 44817 pessoas (sem esquecer todos os processos que não se conservaram) e 1865 homens e mulheres foram relaxados ao braço secular da justiça em Lisboa, Évora e Coimbra, melhor dizendo, foram condenados à morte ou queimados em efígie.

 

Imagem “Auto de fé no Terreiro do Paço - Lisboa"; Material: gravura aguarelada sobre papel; Origem: francesa; Época: séc. XVII/XVIII, daqui