11 Janeiro 2020      14:35

Está aqui

Ulisses

Passaram-se tantos anos desde isto me aconteceu. Hoje ainda me lembro bem da noite. Ainda me lembro bem de ti, meu amigo! Foi numa casa de cada de fados em Lisboa. Brincaste comigo e disseste-me que a cidade tinha o teu nome! Ter-se-ia chamado Olissipo por tua causa, que terias lá estado há muitos anos, na tua epopeia e eu, sim está bem - Tu e todos os outros que estão aqui neste restaurante e já beberam duas cervejas. Aliás, para me embebedar precisarias muito mais do que isso... mas se te chamas Ulisses, até te dou um desconto. Até me disse, olha... dou-te um desconto de 50% no El Corte Inglês... que isto de qualquer maneira é tudo dos espanhóis e depois já não ouves fado... ouves flamengo e coisas assim...

Ulisses, homem alto, impávido e sereno, olhou para mim e disse... tu és pior só que a Medusa e do que o Cérebro. Eu respondi.. quem? Nunca tinha ouvido falar em tais pessoas. Conhecia bem o ti Xico da Horta, o Ti Manel da Xafarica, a ti Francisca da Artorta ou a Maria do Relaxo...

Medusa ou o outro, nunca tinha ouvido...se calhar eram vizinhos mas não conhecia. Porém, não obstante e todavia, o que interessava é que estávamos os dois a ouvir fado numa casa de Lisboa e ele, depois desta conversa toda, confessava:

Pá, Zé, posso tratar-te assim?

Claro Ulisses!

Esta foi a noite mais porreira da minha vida! Não só porque não ando a fazer cena nenhuma meio louca, mas porque estou a ouvir a canção mais profunda que no mundo já foi inventada e acredita que eu já ouvi tantas harpas.

E eu respondi... Hades!

E ele riu.... Ahahah.

Calamo-nos porque o fado ia começar e

Quando se canta o fado ouve-se silêncio! E assim é! Ulisses e eu acabamos uma garrafa de vinho da casa! E que bom que ele era! Talvez fosse de Pias!

O fado acabou e continuamos a conversa. Ulisses disse-me que tinha o barco atracado no Porto e se calhar já fui multado. Tenho andado meio chateado com a vida e por isso decidi vir até cá.

Andei metido nuns trabalhos, não tantos como os de Hércules, mas as coisas não têm andado bem. Quando voltei a casa, depois de uma Odisseia de coisas que aconteceram, disfarcei-me de mendigo para ver se a minha Penélope me andava a enganar.

E eram verdade? O que fizeste?

Bem, descobri que ela não me enganava e fiquei contente... limpei foi o sarampo a todos os que andavam a lutar para ficar com a minha fortuna e mulher.

Ri-me... se fosses um assassino não estavas a ouvir fado comigo em Lisboa. Estarias na prisão e ouvias outras músicas!

Talvez tenhas razão! Mas esta é a verdade, a minha odisseia que me trouxe aqui hoje. Fugi para limpar as ideias.

Então pronto!

Acabámos a conversa porque o fado começou de novo e despedimo-nos como se aquela fosse a última vez que nos víamos. Ele pareceu-me estar com cara de alívio e eu fui para casa a pensar na conversa e em como o vinho devia ser forte para dar naquilo. Ulisses, grego, ali a ouvir fado e a contar-me a epopeia. Ahahah, Zé, amanhã bebes água!