18 Fevereiro 2018      11:23

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TRÊS ZEROS QUE FAZEM TODA A DIFERENÇA

No passado dia 10 de Janeiro de 2018, os portugueses tiveram conhecimento que Portugal tinha conseguido obter 4 mil milhões de euros com a emissão de dívida a dez anos e que os juros teriam ficado nos 2% devido à grande procura, que se verificou ser quatro vezes superior à oferta. Apesar do seu interesse e relevância, é possível que esta notícia nunca tivesse dado origem a este texto não fosse o ministro das finanças, Mário Centeno, quando no parlamento frisava o feito, ter referido que a procura tinha sido de 17 biliões de euros, “biliões” que corrigiu imediatamente para mil milhões.

A correcção, a que o ministro se sentiu obrigado, pela imprecisão do número referido inicialmente, advém da discrepância existente entre a notação europeia e a notação usada noutros países (como os Estados Unidos da América), discrepância esta que provoca, frequentemente, erros de tradução e interpretação quando se fala em biliões ou triliões.

Para melhor se perceber a diferença entre as nomenclaturas adoptadas na Europa e nos Estados Unidos da América, comecemos por revisitar a génese do sistema de numeração de base decimal que usamos.

Desde a pré-história, o ser humano sempre lidou com números mas não da forma como os conhecemos hoje. O homem primitivo estabelecia associações com as quantidades da natureza, estando a sua capacidade “matemática” limitada à distinção entre muito e pouco ou pequeno e grande, possuindo apenas, aquilo que se pode designar por, sentido numérico. Aquando da transição da vida nómada para a vida sedentária, o Homem sentiu necessidade de registar quantidades que lhe permitissem a contagem.

Nas sociedades primitivas a contagem restringia-se a uma correspondência biunívoca, em que cada um dos elementos a contar era associado a uma pedra, concha, pau ou marca (por exemplo, realizando um entalhe num osso). Na evolução natural para as representações de quantidades, a mais elementar e óbvia das representações consiste na associação de um traço (vertical) a cada elemento, sendo as quantidades apresentadas como repetições de traços. Esta representação através da sucessão de traços verticais é eficaz para pequenas quantidades, mas para grandes quantidades dificultava a leitura do registo. Surge a necessidade de organizar essas contagens.

Para facilitar a contagem de objectos é vulgar proceder-se ao seu agrupamento. Ao estabelecer o número de objectos que devem constituir cada agrupamento está a definir-se uma base. Se estipularmos uma base e um conjunto de símbolos para representação das quantidades, estamos na posse de um sistema de numeração. Diferentes civilizações em diferentes épocas da história da humanidade adoptaram sistemas de numeração que supriam as suas necessidades, contudo, por força das exigências da evolução da sociedade humana, a maioria dos sistemas de numeração, respectivas bases e símbolos, foram caindo em desuso sendo substituídos por novos, considerados mais adequados. Mas outros houve, mais consistentes, que perduraram no tempo.

Durante muitos séculos, o afastamento entre culturas não estimulou a busca de um sistema de numeração consensual. O ponto de viragem deu-se, em 1202, quando Fibonacci (de quem já falámos no artigo “Coelhos, girassóis e o Código da Vinci”) divulgou, na Europa, o sistema de numeração indo-árabe que tinha conhecido nos contactos estabelecidos com cientistas árabes e mercadores, durante as inúmeras viagens em que acompanhava o seu pai. Por essa altura, na Europa era usado o sistema de numeração romano, e apesar das inegáveis evidências da vantagem do sistema posicional de base dez, divulgado por Fibonacci, verificou-se uma grande resistência por parte dos governos europeus, não por motivos técnicos, mas por razões político-religiosos, pois o sistema era um produto dos árabes muçulmanos. A resistência dos que defendiam que o uso do ábaco para a cálculos mais complexos colmatava as dificuldades da utilização da numeração romana conseguiu adiar por algum tempo a adopção do novo sistema numérico, mas no final o sistema mais eficiente prevaleceu.

O sistema numérico decimal assenta em dez símbolos (os dez algarismos indo-arábes: 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9) e dois princípios. O princípio multiplicativo, segundo o qual cada algarismo representa o produto dele mesmo pelo valor da sua posição, ou melhor, a potência de base 10 que corresponde a essa posição) e o princípio aditivo segundo o qual o número representado é a soma dos valores dos símbolos (algarismo-posição) que o compõem.

Por exemplo: 327, representa 3 centenas, duas dezenas e sete unidades

Assim, num número, representado no sistema de numeração decimal, o valor de determinado algarismo depende da posição que ocupa: unidades, dezenas, centenas, milhares, dezenas de milhar, centenas de milhar, milhões …

Voltando à notícia de 10 de Janeiro, a diferença entre 17 biliões e 17 mil milhões pode ser verificada consultando a tabela seguinte, onde é apresentada a designação portuguesa das potências de base 10, de acordo com a nomenclatura adoptada pelos países europeus.

 

Designação

Valor

Potência

1 seguido de …

1 Unidade (um)

1

100

Zero zeros

1 Dezena (dez)

10

101

Um zero

1 Centena (cem)

100

102

Dois zeros

1 Milhar (mil)

1000

103

Três zeros

1 Dezena de Milhar (dez mil)

10 000

104

Quatro zeros

1 Centena de Milhar (cem mil)

100 000

105

Cinco Zeros

1 Milhão

1 000 000

106

Seis zeros

1 Dezena de Milhão

(dez milhões)

10 000 000

107

Sete zeros

1 Centena de Milhão

(cem milhões)

100 000 000

108

Oito zeros

1 Milhar de milhão

(mil milhões)

1 000 000 000

109

Nove zeros

1 Dezena de milhar de milhão

(dez mil milhões)

10 000 000 000

1010

Dez zeros

1 Centena de milhar de milhão

(cem mil milhões)

100 000 000 000

1011

Onze zeros

1 Bilião (milhão de milhões)

1 000 000 000 000

1012

Doze zeros

 

 

 

 

Mil biliões

1 000 000 000 000 000

1015

Quinze zeros

 

 

 

 

1 Trilião

1 000 000 000 000 000 000

1018

Dezoito zeros

Ora, o valor de 17 biliões é 17 000 000 000 000, ou seja, 17 seguido de 12 zeros (17 x 1012) e o valor de 17 mil milhões é 17 000 000 000, ou seja, 17 seguido de 9 zeros (17 x 109). A diferença de três zeros, na representação dos números anteriores, indica portanto que o primeiro número é mil vezes maior que o segundo.

Ciente da diferença entre milhões e milhares de milhão, o ministro corrigiu a tempo a sua imprecisão inicial, contudo a confusão entre estas duas designações surge amiúde nos meios de comunicação social, frequentemente originada por traduções do inglês.

Aquilo que nos Estados Unidos da América é designado por “bilion” não pode ser traduzido, para português, como bilião, pois a designação “bilion” representa, na notação dos E.U.A., mil milhões, 10 sobre 9 (ou seja, 1 seguido de 9 zeros), enquanto em Portugal um bilião representa um milhão de milhão, 10 sobre 12 (ou seja, 1 seguido de 12 zeros).O Brasil, tal como os EUA, também adoptou a escala curta para a representação de grandes números, e designa 10 sobre 9 por bilhão e 10 sobre 15 por trilhão.

 

Imagem de rr.sapo.pt