17 Março 2020      10:10

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A tragédia que se avizinha

No momento em que vos escrevo, estão diagnosticadas com Covid-19 em Portugal 331 pessoas e a comunicação social anunciou há minutos a primeira vítima mortal.

No acompanhamento da pandemia do Covid-19 tenho optado por ouvir mais epidemiologistas e matemáticos do que políticos. Não por desconfiança sistemática nos últimos, mas antes por acreditar que em cada situação há boa e má informação, e que, em matéria de progressão de epidemias, os especialistas são os primeiros.

E o que nos vêm dizendo epidemiologistas e matemáticos desde o início desta epidemia no final do ano passado? Que a generalidade dos países tem tomado as medidas certas, mas quase sempre tarde demais. Exceções foram as abordagens da Coreia do Sul, Singapura, Hong Kong, Taiwan e Macau, que usaram informação de anteriores epidemias virais para preverem atempadamente a evolução desta e para adotarem as melhores medidas para a conter.

Duas das principais vantagens adaptativas deste vírus, e que o têm permitido infetar mais pessoas e alastrar a mais regiões do planeta, são a existência de portadores assintomáticos, ou com poucos sintomas, e o seu longo período de incubação. Ambas permitem que o vírus se transmita antes que a necessidade do seu combate nos seja evidente. Em relação ao período de incubação, este é em média de cinco dias, havendo alguns casos raros reportados com a manifestação dos primeiros sintomas depois de catorze dias de contágio. Considerar estas duas características é fundamental no combate a este vírus.

Vamos então à matemática. A propagação deste vírus mostrou exponenciais perfeitas em todos os países afetados. As curvas parecem saídas diretamente de um livro da escola. Portugal e Espanha têm mostrado taxas de contágio diário próximas de 40%, superiores por isso à da Itália! Portugal entrou em curva exponencial no dia 3 de março (o governo anunciou-o 11 dias depois!) E o que faz um alastramento exponencial associado a um período de incubação de cinco dias? Que só vejamos o fogo quando a casa já ardeu!

Atentemos nas datas das decisões políticas dos últimos dias em Portugal. Quando, no dia 12, o primeiro-ministro anunciou o encerramento das escolas, havia 78 casos diagnosticados. Se prolongarmos a exponencial cinco dias saberemos quantos casos reais de infeção havia nesse dia, cerca de 485! Se considerarmos a taxa de mortalidade mais conservadora que temos neste momento, 3,5%, temos de ser realistas e considerar que 17 dessas pessoas vão morrer vítimas da doença.

Hoje, quando se decidiu o controlo da fronteira com Espanha, havia 331 casos diagnosticados. Correspondem a perto de 1.900 casos reais e a quase 70 mortes. No dia do Conselho de Estado (agendado com três dias de antecedência!) deverá haver qualquer coisa como 690 casos diagnosticados. Mais uma vez, corresponderão a cerca de 3.700 casos reais e a 130 mortes.

A falência do Serviço Nacional de Saúde deverá acontecer na melhor das hipóteses no final da próxima semana, quando tivermos perto de 30.000 diagnosticados e 1.500 destes a precisar de ventilador. Nesse momento, os médicos portugueses vão ter de tomar a mesma decisão que viram os seus colegas italianos tomar quase um mês antes: quem deve viver e quem deve morrer.

Enquanto isto, o que dizem os nossos decisores políticos? A ministra da Saúde diz que devemos continuar a trabalhar. Há cinco dias dizia o mesmo em relação às escolas. O ministro da Administração Interna proíbe eventos com mais de cem pessoas. Sim, cem! Até esse número de convivas, podemos conviver à vontade… O primeiro-ministro diz que não há nenhum motivo para as regiões autónomas quererem fechar os seus aeroportos. Há três dias dizia o mesmo da fronteira com Espanha. A diretora-geral da Saúde já deixei de ouvir o que diz há muito tempo. É um mistério que continue em funções. E o Presidente da República? Esse tem estado por casa a tratar da lida doméstica, conforme anunciou à comunicação social…

Como um epidemiologista americano recomendava há dias aos seus concidadãos, se sentem que o governo do país não está a fazer tudo o que devia para vos proteger, façam-no vocês mesmos, não fiquem à espera.