17 Junho 2021      10:08

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Tiago Bettencourt: “acho o Alentejo muito especial”

Tiago Bettencourt tem estado em digressão a apresentar o seu novo álbum, “2019 Rumo ao Eclipse”, editado no passado mês de outubro mas só agora apresentado ao vivo. Na próxima sexta-feira, 18 de junho, o cantor irá atuar no Teatro Municipal Pax Julia, em Beja, rumando de seguida para norte. A 4 de dezembro, volta novamente ao Alentejo, mais concretamente ao Teatro Garcia de Resende, em Évora.

Mesmo a tempo da sua atuação em Beja, Tiago Bettencourt esteve à conversa com este jornal.

 

Como tem estado a correr esta tour?

Tem estado a correr bem. Começou tardiamente, foi uma tour que já esteve marcada para outubro, para novembro, para dezembro… quase que esteve marcada para janeiro, mas achámos melhor esperar um bocadinho, então acabou por não acontecer. Finalmente conseguimos começar agora a promoção de um álbum que saiu em outubro.

O que se nota na estrada é que as pessoas estão muito felizes por voltar a ver concertos. Acho que estavam a precisar, é sempre muito diferente entre estar em casa a ouvir música, e estar a ouvir música ao vivo. Especialmente uma banda como a nossa, que toca tudo ao vivo. E nota-se uma alegria muito grande no público, e não só no público, mas também na banda. Nós também estávamos a precisar muito. Acaba por ser muito terapêutico estar em cima de um palco, a tocar e a cantar. E nota-se essa alegria, tanto do público como em nós, o que faz com que o espetáculo fique muito bonito. Acho que está muito intenso, o espetáculo, e as pessoas saem de lá bastante contentes.

 

Em outras entrevistas acerca deste álbum, “2019 Rumo ao Eclipse”, afirmou que “todos os meus álbuns são um labirinto, este é só mais um”. Porquê um labirinto?

Eu ainda gravo os álbuns um bocadinho à antiga. E eu acho que um álbum é uma fotografia muito interessante do que o artista é naquela altura. É como um livro, é também uma fotografia daquilo que determinado autor ou escritor está a fazer, ou um quadro de um pintor. Os meus álbuns são essa fotografia. É uma fotografia que eu deixo bastante vaga, é quase como se fosse uma – não digo uma pintura abstrata, mas digo uma imagem com cores, com algumas formas, mas com nada de específico. E essa falta de ultrarrealismo que eu tenho nas minhas letras e que também se transporta para as músicas – porque são a banda sonora das próprias letras e imagens que eu apresento –, contam uma história. E a maneira como essa história vai fazer sentido para quem a ouve depende dos caminhos que se tomar nesse labirinto.

Eu não quero que o caminho que eu tenha feito através desse labirinto seja o mesmo que uma pessoa que oiça a minha música. Quero que essa pessoa faça o seu próprio caminho, um caminho um bocadinho diferente, mas na mesma um labirinto. Não é uma coisa óbvia, não são músicas imediatas, são músicas que precisam de tempo para ser ouvidas, são músicas que eu sei que hoje vão querer dizer uma coisa, mas se calhar daqui a 10 anos vão querer dizer outras, mas não se vão esgotar no tempo. É uma coisa um bocadinho fora de moda de se fazer, mas é assim que eu trabalho, é assim que eu oiço música ainda, é assim que neste mundo de imediatismo eu sobrevivo.

 

Se tivesse de definir este álbum numa frase ou poucas palavras, o que diria?

(Risos). Eu acho que o nome do álbum é uma explicação do álbum, é uma viagem rumo a um eclipse. É uma viagem, como o labirinto também é uma viagem. É um álbum que tem músicas tanto mais calmas como mais mexidas, e por isso é um álbum muito humano; nós também temos momentos mais tristes e momentos mais alegres, momentos mais efusivos, momentos mais calmos. As minhas canções são o resultado da observação da nossa humanidade, por isso acho que o nome do álbum é a descrição perfeita do que o álbum é.

 

Antes do lançamento deste novo disco, surgiu uma série de conversas, “não concertos” como afirmou no Instagram, para o apresentar. Por que razão eram tão importantes estas conversas com o público?

Não eram importantes, foi uma experiência, no fundo. Estávamos em época de pandemia e sabíamos que não podíamos começar a fazer concertos logo ali. A ideia veio do conceito “Listening Party”, que para mim era o Kanye West com os amigos a ouvir a música, mas esse não é muito o meu género. Então tive que encontrar um formato que fosse mais o meu género. Achei engraçada esta ideia de ter 20 ou 40 pessoas à frente a ouvir o álbum comigo e a falar sobre cada música, e o que cada música dizia a cada pessoa, e eu a explicar algumas curiosidades. Foram espetáculos muitos interessantes e que proporcionaram conversas bastante íntimas, até. Foi onde percebi coisas que não tinha percebido do álbum. Acho que foi uma iniciativa ganha e vou querer fazer isso mais vezes.

 

Sempre escolheu a língua portuguesa para cantar.

Eu não escolhi, foi uma coisa do destino. Nós nascemos em Portugal e falamos em português. Acho que é escolha quando decides cantar noutra língua que não é a tua. Eu escolhi em português porque era a minha língua, é a língua que eu mais domino. Comecei a ouvir fado desde muito cedo e nunca me soou outra coisa que não natural, cantar em português. Acho que cantar em inglês é uma coisa bastante mais cerebral. Por mais que sejamos influenciados por música anglo-saxónica, acho que é sempre uma escolha, fazer uma música em inglês e não na língua que normalmente falamos com os nossos amigos, e com os nossos pais, e com os nossos namorados.

 

Então, a palavra é tão ou mais importante que a melodia?

Eu não lhe sei responder a essa pergunta (risos). Eu acho que depende. Há uma música muito bonita dos R.E.M. – e agora vou para o inglês –, mas porque me lembrei desta, que é toda à volta desta frase: “I found a way to make you smile”. E eu lembro-me de ver o Michael Stipe a falar sobre esta música. E perceber que esta frase era realmente muito bonita e muito simples, mas a maneira como o vi cantar, tornou-a o mais importante na música. Às vezes podemos ter uma só palavra, que cantada de maneira banal pode não ser nada, mas se a soubermos cantar com uma melodia que a vai transcender, ela pode ganhar muitos mais significados. Uma palavra de repente pode significar mil palavras. Por isso acho que depende muito da música e do que se quiser passar. É um jogo, é um constante jogo entre a melodia e a palavra.

 

Quais as lições que aprendeu com a pandemia?

Eu penso que… (risos) vão ter de passar uns tempos até perceber que lições é que aprendemos. Durante a pandemia percebi que não podia estar parado, percebi que precisava muito de trabalhar. Então não me fiz à estrada (novamente risos), mas fiz-me à estrada espiritual, ou seja o que for, e inventei maneira de não estar parado. Comecei a fazer os lives que fiz durante a pandemia, fiz videoclips, arranjámos projetos que acho que de outra maneira não íamos ter tempo para engendrar, e por isso aprendi que, embora esteja cá há praticamente 20 anos, ainda sou um jovenzinho, não consigo ficar no mesmo sítio muito tempo, por mais que me obriguem. Eu nunca estive propriamente fechado em casa espiritualmente, e isso ajudou-me muito.

 

Na próxima sexta-feira vai tocar a Beja, e mais tarde volta a Évora. De todas as visitas ao Alentejo, qual a sua favorita?

(Risos). Eu acho o Alentejo muito especial, já lá fui muitas vezes. Lembro-me de ter ido para casa de um amigo meu, num monte alentejano, era eu muito novo. Fui com o meu pai (o meu pai é caçador) e fui a uma montaria ao javali, e acordámos ainda de noite. Lembro-me de abrir a janela e estava um nascer do sol com uma cor surreal, linda de morrer. E eu acho que é essa imagem que eu vejo de cada vez que penso no Alentejo. Depois obviamente vem o branco das aldeias, mas a primeira é este nascer do sol acompanhado de um cheiro a terra, e acho que é um cheiro muito característico, que eu sinto cada vez que me aproximo do Alentejo.

 

Então gosta de vir tocar ao Alentejo.

Óbvio (risos). Sim, gosto muito de ir tocar a todo o país, não faço distinção, mas o Alentejo é principalmente muito bonito, e acho que a viagem acaba sempre por ser muito bonita. Obviamente há zonas que estão mais bem conservadas do que outras, e eu venho de arquitetura, por isso ligo muito a isso. E o Alentejo, em comparação com muitas zonas do país que estão um bocado “ao deus-dará”, acho que ainda assim estão a conseguir proteger o património, e acho que isso é importantíssimo, faz do Alentejo ainda mais especial.