8 Março 2018      11:54

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Theano de Crotona, à descoberta da primeira mulher matemática

O papel da mulher na Antiguidade Clássica introduz uma enorme incerteza autoral na identificação dos feitos de mulheres na ciência desse tempo, sendo difícil dissociar os feitos destas mulheres das obras daqueles que com elas trabalhavam.

Quando se aborda a história da Matemática na Antiguidade e a presença das mulheres nessa história é comum nomear-se Hipátia de Alexandria (c. 355, 415 a.c) como a primeira mulher matemática. O conhecimento mais preciso da dedicação de Hipátia à Matemática beneficia da qualidade dos textos matemáticos de seu pai, com quem colaborava, e do facto de estes escritos terem perdurado no tempo. Contudo, o título de primeira mulher matemática poderá estar atribuído erradamente a Hipátia uma vez que pesquisas históricas asseguram que Theano de Crotona, nascida dois séculos antes de Hipátia, terá tido um contributo importante em diversas áreas da Matemática.

No culminar da série de viagens que Pitágoras de Samos (c.582 - 500 a.c.) realizou pelo mundo mediterrâneo, em que teve oportunidade de estudar com vários mestres, entre os quais Tales de Mileto, Pitágoras instalou-se na colónia grega de Crotona onde fundou uma comunidade religiosa e política, à qual se atribuem inúmeras contribuições na Matemática, Geometria e Filosofia, e que é considerada a primeira universidade da história da humanidade. Nesta comunidade, que chegou a contar com 300 membros, terão existido pelo menos 28 mulheres, que se julga terem usufruído de condições e direitos iguais aos dos membros do sexo masculino, o que conferiu a Pitágoras o título de “filósofo feminista”.

Ainda que todos os membros da escola pitagórica tivessem oportunidade de contribuir com as suas ideias originais, as inovações eram, sem excepção, atribuídas a Pitágoras. Como Pitágoras privilegiava a transmissão oral dos ensinamentos e estes só poderiam ser difundidos entre pitagóricos, persistem muitas dúvidas quanto à fidedignidade dos escritos atribuídos a Pitágoras e aos pitagóricos.

É neste contexto de obscurantismo e incerteza que pesquisas históricas colocam Theano de Crotona, uma jovem discípula de Pitágoras.

Theano, nascida no ano 546 a.c., desempenhou um papel de destaque na escola pitagórica, onde se afirmou pelo seu brilhantismo, tendo despertado inúmeras paixões entre os seguidores de Pitágoras…e não só. A este respeito há uma lenda, conhecida como Problema Theaneano, que descreve um diálogo entre Pitágoras e um jovem admirador de Theano.

Certo dia, admirando a beleza de Theano, o jovem questiona Pitágoras sobre a idade de Theano ao que Pitágoras responde:

“Theano é perfeita e a sua idade é um número perfeito”

Insatisfeito com a resposta do mestre, o jovem replica

“Mas mestre, não me pode dar mais informação?”

Ao que Pitágoras responde:

“A idade de Theano, para além de ser um número perfeito, é o número das suas extremidades multiplicado pelo número de admiradores, que é um número primo”.

Resolução:

Um número é perfeito se for igual à soma dos seus divisores. Os quatro primeiros números perfeitos  (6, 28, 496 e 8128) eram os únicos conhecidos pelos gregos antigos. O quinto número perfeito, 33550336, só foi descoberto no século XV.

Theano é perfeita portanto tem duas mãos e dois pés (4 extremidades)

Representemos por i a idade de Theano e por a o número de admiradores de Theano.

Se a idade de Theano é o número das suas extremidades multiplicado pelo número de admiradores, então

i = 4 x a

Como a idade de Theano é um nº perfeito é igual à soma dos seus divisores, e o número de admiradores, a , é um número primo, a idade será

i = 1 + 2 + 4 + a + 2a

Resolvendo este sistema de duas equações a duas incógnitas

4 x a = 1 + 2 + 4 + a + 2a  <=>  4a - a - 2a = 1 + 2 + 4  <=> a = 7

i = 1 + 2 + 4 + 7 + 2x7 = 28

Theano tem 28 anos e 7 admiradores.

 

De acordo com os relatos que chegaram aos nossos dias, não obstante a enorme diferença de idades (cerca de 40 anos), Theano e Pitágoras casaram e tiveram duas filhas e um filho. Após a morte de Pitágoras, Theano e as suas duas filhas deram continuidade à escola, que prosperou ainda por muitos anos tendo-se expandido de Crotona para outras cidades.

Tanto como aluna da escola pitagórica quer posteriormente, quando já desempenhava funções de professora, Theano foi autora de diversos tratados de matemática, física e medicina.

De entre os trabalhos matemáticos de Theano destaca-se o que dedicou ao número de ouro que, por casualidade ou não, está intimamente ligado ao símbolo da escola pitagórica - o pentagrama, ou pentágono estrelado, que representava o sigilo e o companheirismo que pregavam e a união entre corpo e espírito.

 

File:Pentagram and Pentagon.svg

Imagem de: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8a/Pentagram_and_...

 

O pentagrama é constituído por uma estrela de cinco vértices inscrita num pentágono. Com as diagonais que partem de cada um dos vértices do pentágono, para formar a estrela, forma-se um novo pentágono, mais pequeno na direcção inversa.

Este pentágono e a estrela nele inscrita têm propriedades que os pitagóricos pensavam ser místicas. Considerando qualquer ponto de intersecção de duas diagonais, esse ponto divide a diagonal em dois segmentos de comprimento distinto. Calculando a razão entre o comprimento do segmento maior e o comprimento do segmento menor ou entre o comprimento total da diagonal e o comprimento do segmento maior obtém-se o mesmo valor - o  número de ouro.

Imagem de capa de  Laurent de La Hyre, Alegoría de la Geometría, (1649).