17 Junho 2020      11:33

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Serra de Aires e Rafeiro, os guardiães do Alentejo

Parece não ter fim o potencial que o Alentejo nos oferece. Em cada recanto um costume, em cada lugar uma tradição. Uma ampla herança intemporal onde, para além do património artístico, patrimonial e cultural, também a fauna e flora são verdadeiros legados de uma biodiversidade tão peculiar neste território.

Referir a palavra Alentejo é, antes de mais, invocar a sua forma mais genuína, a sua ruralidade. Contemplar ou imaginar a sua paisagem natural remete-nos para um cenário onde o montado, as searas e os rebanhos de ovelhas com a figura concomitante do pastor formam inconfundíveis características de relevo, num mosaico  repleto de diversidade natural. Da sua pluralidade paisagística, e indo de encontro ao nosso tema, dirigimos as nossas coordenadas para uma das inúmeras serranias da região – a Serra de Aires (Santo Aleixo - Monforte). Pois bem, aqui encontramos a origem do nome de um dos nossos guardiães. Hábil e de temperamento dócil, o cão da Serra de Aires, segundo fonte da ACSA[1], é uma raça do início do séc. XX que sempre se caracterizou por ser um bom cão, não só de companhia e guarda de propriedade, como de condução e vigilância de rebanhos. A sua grande adaptabilidade e capacidade de resistência, permitiu-lhe adequar-se tanto aos rigorosos invernos, como às elevadas temperaturas de Verão. Perspicazes e fieis companheiros dos pastores, em tempos idos, os acompanhavam na difícil e solitária missão de zelar e percorrer extensas áreas de propriedade. Este era, também, um tempo em que os predadores, essencialmente atuantes na escuridão, constituíam sério perigo[2]. São estes cães, de porte médio e expressão viva, também eles pela sua paciência, uma excelente companhia para as crianças.

De proveniência distinta (provavelmente de Molossos – Médio Oriente) e não menos famigerado, o nosso outro guardião – o Rafeiro Alentejano, de porte grande e volumoso, pela sua imponência, resistência e sentido territorial, é um animal destemido com aptidão para o maneio e condução de gado. Ostenta ainda pela sua postura um majestoso sentido de guarda, pela protecção dos seus rebanhos perante animais selvagens ou até mesmo saqueadores. Desde os tempos em que a necessidade de percorrer grandes distancias na deslocação de rebanhos (Transumância) e da exposição a perigos que daí advinham, no trajecto que efectuavam no Verão para as montanhas e no Inverno para as planícies, os rebanhos eram sempre acompanhados por cães de grande corpulência, o que terá dado origem à sua disseminação ao longo do percurso de região para região Assim se explica o surgimento deste poderoso cão na planície Alentejana, o qual a partir de finais do século XIX passou a ser designado por Rafeiro do Alentejo[3]. Com a decaída da rede latifundiária, desertificação do interior e o paralelo avanço industrial, o Rafeiro do Alentejo, em início do séc. XX estava praticamente em vias de extinção, sendo que o censo realizado por Filipe Romeiras e António Cabral em meados do mesmo século, aliado ao reconhecimento pela Federação Cinológica Internacional (FCI), foram o ponto de viragem para a sua reafirmação e popularidade.

Saibamos dar-lhes o devido valor, sustentado numa postura de constante sensibilização, procura da sua salvaguarda e proteção. Estes dois amigos de quatro patas assim o merecem.

Imagem de capa de serradeaires.com

 

[1] Associação do cão da Serra de Aires

[2] Idem

[3] Associação de criadores de Rafeiro Alentejano